Trabalhadores só vão perceber que algo os atingiu quando for tarde demais

By | 23/04/2017 8:46 am

 

(Leonardo Sakamoto, no Blog do Sakamoto, no UOL)

Quando eu entrava em disputas de Banco Imobiliário e War (aviso aos jovens:  jogos de tabuleiro), decidíamos mudar as regras para fazer com o que elas andassem mais rápido. Quem já passou horas em intermináveis contendas com dados e pecinhas (sim, havia diversão antes do Pokémon Go e do Candy Crush), tentando ”Conquistar a Totalidade da Ásia e da América do Sul”, sabe bem do que estou falando.

Depois, a gente cresce e percebe que há quem tente o mesmo na vida real. Por exemplo, defenestrar parte da legislação que regula o mercado de trabalho no meio do jogo é uma opção defendida para acelerar o crescimento econômico. O problema é que a realidade – ao contrário dos jogos de tabuleiro – é feita de pessoas de carne e osso que não podem simplesmente recomeçar, com menos dignidade, no meio do caminho.

Informatizar, desburocratizar, reunir impostos e tornar mais eficiente a relação de compra e venda da força de trabalho é possível e desejável e certamente irá gerar boa economia de recursos para empresários e de tempo para trabalhadores. Desonerar a folha de pagamento em alguns itens, como diminuir a contribuição previdenciária para setores que usam grande quantidade de mão de obra é possível também. Isso sem contar que ninguém é contra sobrepor o que é negociado entre patrões e empregados/sindicatos ao que está legislado – desde que isso signifique ganhos reais para ambos os lados. Para tanto, seria necessário um melhor equilíbrio de forças, com sindicatos mais fortes e a garantia de contrato coletivo de âmbito nacional para mantendo responsabilidade do setor econômico para os subcontratados.

O problema é que por trás do discurso do “vamos avançar” presente entre os defensores desta Reforma Trabalhista está também o desejo de tirar do Estado o papel de mediador da relação entre patrões e empregados, deixando-os organizando suas próprias regras. Quando um sindicato é forte e seus diretores não jogam golfe com os diretores das empresas, nem recebem deles mimos, ótimo, a briga é boa e é possível obter mais direitos do que aquele piso da lei. Mas, e quando não, faz-se o quê? Rezamos?

Quando alguém promete uma reforma trabalhista sem tirar direitos dos trabalhadores irá provavelmente:

  1. a) mudar a CLT e acrescentar direitos aos trabalhadores e tirar dos empresários (posso contar também a do papagaio que passava trote ao telefone);
    b) desenvolver um novo conceito do que seja um direito trabalhista (situação em que o pintor surrealista René Magritte diria: “isto não é um cachimbo”);
    c) diminuir a arrecadação do Estado junto às empresas e manter os direitos dos trabalhadores (esperando que o país quebre em 3, 2, 1…);
    d) vai operar um milagre mais espantoso do que aquele de multiplicar pães e peixes para uma multidão faminta realizado pelo grande sábio barbudo (neste caso, Jesus, não Marx).

A sociedade mudou, a estrutura do mercado de trabalho mudou, a expectativa de vida mudou. Portanto, as regras que regem as relações trabalhistas e a Previdência Social podem e devem passar por discussões de tempos em tempos.

Ou seja, caso se encontrem pontos de convergência que não depreciem a vida dos trabalhadores e não mudem as principais regras do jogo no meio de uma partida sem a concordância de todos, as relações trabalhistas podem passar também por modernização. Tem muita coisa na CLT que passou da hora de ser alterada. Mas o seu coração – impedir que o natural desequilíbrio entre trabalhador e capital seja aprofundado – deve ser preservado.

Essa discussão não pode ser conduzida de forma autoritária ou em um curto espaço de tempo. Pois essas decisões não devem servir para salvar o caixa público, o pescoço de um governo e o rendimento das classes mais abastadas (que brigam contra impostos sobre lucros e dividendos e sobre a progressividade do imposto de renda), mas a fim de readequar o país diante das transformações sociais sem tungar ainda mais o andar de baixo.

Por exemplo, falar em imposição de 25 anos de contribuição para assalariados urbanos e rurais e 15 anos de contribuição para trabalhadores rurais da economia familiar, como pequenos produtores e pescadores, sem considerar que os mais pobres começam a trabalhar mais cedo, é desconhecer a realidade – para ser polido. Em lugares em que estatisticas de mortalidade apontam para uma sobrevida menor após os 60 anos que a média do país, como o interior Maranhão, os aposentados não têm o mesmo tempo para usufruir de suas pensões que em lugares onde a segurança social é maior.

O Congresso já aprovou a terceirização de todas as atividades de uma empresa – e não apenas serviços secundários, como é hoje. É claro que a relação entre prestadoras de serviço e empresas-mãe precisam de regras melhores no Brasil, porque muita gente fica ao relento. Mas a aprovação da terceirização da atividade-fim do jeito que foi feita, dando a possibilidade de externalizar qualquer função de uma empresa, vai piorar a vida de muita gente e reduzir a arrecadação da própria Previdência. Armamos uma bomba-relógio e o próprio Ministério da Fazenda sabe disso.

Agora o governo quer aprovar a Reforma Trabalhista, permitindo que convenções e acordos coletivos de trabalho negociados entre patrões e empregados prevaleçam sobre a legislação trabalhista, mesmo que isso signifique perdas aos trabalhadores. Como já disse, negociar tendo como base nosso sistema sindical, que em muitos casos serve aos interesses dos próprios sindicalistas e não dos trabalhadores, será entregar o galinheiro à raposa. Jornadas de trabalho mais longas, que devem ter impacto na segurança e na saúde dos empregados e sem o devido pagamento de horas-extras, são esperadas após o Congresso passar a lei.

Antes de qualquer reforma, seria importante melhorar a regulação do mercado de trabalho (aliás, regulação é algo péssimo por aqui), desenvolver a qualificação profissional de forma a gerar empregos mais sólidos, melhorar o sistema de ingresso nesse mercado (o que inclui dar efetividade ao serviço nacional de intermediação de mão de obra, pois o que existe em boa parte do país é o bom e velho ”gato” intermediando) e, é claro, a redução na jornada sem redução de salário – pleiteada pelos trabalhadores e empurrada há anos.

O cidadão deveria ter o direito de escolher um mandatário de acordo com a agenda que ele propõe para os direitos trabalhistas e previdenciários. Com um programa de governo debatido, votado e eleito. Mas, aí, desconfio que não aconteceriam reformas.

Parte dos jogadores está mudando as regras no meio do jogo, na surdina. Os demais só perceberão o golpe quando for tarde demais e eles tiverem sido excluídos do tabuleiro.

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Category: Destaques

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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