(Publicado no Patos Online)
Temos criticado frequentemente a falta de critério da Prefeitura e da Câmara de Vereadores ao prestar homenagens dando nomes a ruas e equipamentos da cidade. Mas desta vez o vereador Jardelson Pereira, secundado à unanimidade por seus companheiros, prestou uma homenagem das mais merecidas a uma pessoa das mais simples, mas de uma grandeza humana invejável. Os vereadores patoenses deram o nome de Josefa Cunha Lima (Dona Nenzinha) ao Centro de Referência Especializado para a População em Situação de Rua, localizado na rua Pedro Firmino, no Centro de Patos.
Nenzinha Cunha Lima é homônima da mãe do saudoso poeta e político Ronaldo Cunha Lima, de quem era parenta. Mas o que a ilustrou entre nós não foi o parentesco com gente importante. O que a tornou famosa foi sua vida de dedicação aos mais necessitados. Não era rica, nem bem posicionada socialmente, mas poucos fizeram em vida tanto bem a quem necessitava de uma ajuda.
A mãe de Nenzinha migrou do Brejo Paraíbano no início do século passado para a cidade de Patos, tendo aqui morado, com os filhos que trouxera e com os que aqui nasceram, nas ruas Paulo Mendes e na Praça Frei Martinho, onde estão construindo hoje o Teatro de Patos. Nenzinha nasceu em 08/07/1922 e meu pai a conheceu, moça nova, na década de quarenta, morando na Praça Frei Martinho, onde existiu o primeiro cemitério de Patos. Eram lavadeiras e engomadeiras afamadas.
Conheci Nenzinha no final da década de cinquenta, período em que moramos na mesma rua Cônego Bernardo em que ela morava. Era casada com Severino, eletricista da prefeitura, de quem teve José e Didi, amigos meus de infância. Antes morara na rua Deodoro da Fonseca. De relacionamento anterior tivera Carmenlúcia e Zélia que depois foram morar com familiares em Campina Grande. Nenzinha era “pau para toda obra”: cozinheira de mão-cheia, lavadeira, arrumadeira. Ajudou Severino nas despesas para criar os filhos Zé Pimbão e Didi e depois os que o coração acolheu como filhos: Iraquitânia, Paulo, Ana e Laerte.
Nenzinha era uma espécie de xerife da Cônego Bernardo e adjacências. Apartava brigas de marido e mulher, aconselhava alguém que estava armando bagunça, ajudava quem estivesse doente, arranjava emprego de doméstica para uma pobre, preparava um defunto para o sepultamento, reclamava da prefeitura quando uma lâmpada queimava ou quando havia um buraco atrapalhando o trânsito. E “de quebra” intermediava a adoção de crianças. Foi por muito tempo uma referência na cidade. Quem estivesse pensando em adotar uma criança procurava Nenzinha que tinha muitas amizades tanto na periferia da cidade como entre as parteiras e enfermeiras da Maternidade. Se alguma mãe solteira não tinha condições de criar um recém-nascido e pensava em doá-lo, as enfermeiras avisavam a Nenzinha e esta entrava em contato com uma família que estivesse disposta a adotar uma criança e dezenas de crianças foram adotadas em Patos e cidades vizinhas com a intermediação de Nenzinha. Algumas destas crianças terminaram sobrando para Nenzinha, entre estas alguns filhos do coração.
Outra atividade sua era o fornecimento de refeições. Muitos estudantes universitários e secundários e empregados do comércio fizeram refeições em sua casa. Ela cobrava por mês e muitos ficaram agradecidos a ela pelo preço camarada e pelos atrasos no pagamento que suportava com humor e muitos chegou a “perdoar”. Muitos doutores formados nas faculdades de Patos, iam visita-la sempre que vinham a Patos. Além de cozinhar em casa, Nenzinha cozinhava em casamentos, batizados e banquetes comemorativos, sendo procurada por ricos e remediados.
Amiga de minha mãe desde a década de cinquenta até a morte dela, continuou amiga nossa até o final. Preparou muitos pirões de perna de boi para meus almoços de domingo, mesmo quando tínhamos uma cozinheira em casa, já que adorávamos (Arlene, pai e eu), a comida caseira que ela fazia. Quando tínhamos qualquer problema ela nos acudia. Meu pai morou os últimos anos de vida numa casa que ela possuía próximo à casa dela e se preocupava com qualquer espirro que ele desse. Quando ele faleceu, em 1996, Nenzinha foi quem o preparou para o sepultamento.
Pela amizade que tínhamos a ela eu sou suspeito para falar sobre Nenzinha. Mas quem a conheceu não resgatará elogios a esta figura simples mais de uma grandeza de alma que poucos tinham.
Eu estava em viagem a serviço quando Iraquitânia me avisou que Nenzinha precisava se deslocar para Campina Grande pois seu estado de saúde se agravara. Alguns dias depois um outro telefonema me deu conta de que ela havia falecido. Ajudei no que foi possível nas duas oportunidades, pois todos lhe devíamos muito pela amizade que dela sempre recebemos. Nenzinha morreu em 17 de fevereiro de 2005, há dez anos, portanto.
Apesar de atrasada, a homenagem que lhe prestam agora é das mais oportunas. Obrigado, em nome de quantos lhe queríamos bem, à Câmara de Vereadores e à prefeita Francisca Motta que também conhecia muito bem a Nenzinha e que tenho certeza colaborou para esta homenagem. Para os que convivemos com ela, Nenzinha Cunha Lima foi muito mais importante do que sua xará famosa pelos filhos que gerou.