(Editorial da Folha, na quarta)
À medida que se desenvolvem as investigações sobre algum escândalo de corrupção, surge razoável risco de que se produza no leitor, ademais de justificado desalento, certa sensação de monotonia.
O processo de obtenção das provas não segue o ritmo das expectativas da opinião pública, e a própria complexidade das tramas exige particular apreço pela minúcia.
As irregularidades do caso Petrobras, contudo, fogem a essa rotina. Não só suas dimensões financeiras e a aura simbólica de que a empresa se reveste conferem inédita pregnância (capacidade de influenciar a opinião) ao noticiário.
É que, também nos seus detalhes, no colorido de cada episódio, há requintes. Há caprichos. Há mesmo um senso de humor negro.
Veja-se o que ocorreu quando a geóloga Venina Velosa da Fonseca, então gerente da área de abastecimento da Petrobras, mostrou-se inconformada com um contrato da estatal em 2009.
A funcionária estranhou que a construção de uma casa de força na refinaria Abreu e Lima custasse 272% acima do previsto. Obteve-se uma renegociação, com a economia de R$ 34,2 milhões.
Foi punida, entretanto. Num escândalo em que muitos envolvidos têm como saída o mecanismo da delação premiada, eis o caso inverso de uma correção punida.
Como “prêmio” pelas várias denúncias que encaminhava à direção da empresa, a geóloga foi transferida a Cingapura.
Se parece quase um sarcasmo remeter a incômoda funcionária para o outro lado do mundo, é menos refinada a nota da Petrobras sobre o episódio. Afirma-se que a geóloga teria guardado, “estranhamente”, silêncio sobre as irregularidades durante cinco anos.
A tentativa retórica do comunicado não admite a interpretação mais simples. Ou seja, a de que, uma vez exposto o escândalo a público, a funcionária vê enfim ocasião para revelar o que sabe.
Nova nota da Petrobras, emitida na terça (16), sustenta que a geóloga só teria apontado irregularidades à atual presidente da estatal em novembro deste ano –o que salvaria Graça Foster das suspeitas de omissão. Aqui, o termo “estranhamente” foi evitado.
Enquanto isso, uma fornecedora holandesa, a SBM, admite a autoridades ter encaminhado propinas para a construção de uma plataforma, inaugurada às pressas para corresponder ao cronograma da campanha petista em 2010.
Na ocasião, o então presidente Lula jactou-se de que não existia mais caixa-preta na Petrobras; a plataforma ganhou o nome de Apolônio de Carvalho, histórico militante de esquerda.
São detalhes, é certo, mas indicam a sensação quase delirante de impunidade e o espírito de deboche com que se conduziram os vândalos encarregados de gerir a maior empresa brasileira.