(José Augusto Longo, no Patos Online)
Nada mais constrangedor, mais triste, do que perdermos um ser que amamos, que sempre nos foi caro. Por mais que tentemos entender, não conseguiremos alcançar os desígnios de Deus já que somente Ele tem o poder de deliberar sobre nossas vidas. O Destino nos prega peças que nos marcam para sempre, mas, fazer o que, senão aceitar, mesmo constrangidos e pesarosos, o que é por Ele determinado?
Patos, ao longo do tempo, tem perdido figuras importantes, gente que marcou toda uma vida pela prática do bem e da solidariedade. Há pouco mais de trinta dias, perdemos Ibiapino, antigo comerciante que, anos a fio, esteve à frente do seu Sabor da Terra, tradicional restaurante da Praça Getúlio Vargas, onde, cotidianamente atendia sua imensa freguesia com a gentileza que sempre o caracterizou. Foi um choque pra família e pros amigos. Pois bem, passados apenas esses dias, eis que nos chega a surpreendente notícia do falecimento de sua esposa, a professora Gilda Freire, sua leal companheira de muitos e muitos anos. À exemplo do esposo, dona Gilda era uma pessoa dinâmica, profissional competente, mestra por vocação e convicção, que prestou relevantes serviços à sociedade patoense.
Sensivelmente abalado, sentindo a imensa dor da perda, seu irmão, o nosso fraterno amigo Gilvan Freire, escreveu em sua página na Internet uma mensagem muito bonita, sob o título acima, que encerra todo o sentimento que experimenta; da convivência de ambos, assim como fala da personalidade da pranteada irmã e do seu último encontro com ela já no leito da morte, no Hospital Laureano em João Pessoa. Emanados do mesmo sentimento pelo passamento da querida amiga, reproduzimos o que foi por ele escrito. Vejamos:
“Nestas últimas horas, morreu Gilda Freire (67), no Laureano, onde encontrou outro coração generoso igual ao seu, o Dr. Emilio de Arruda Lacerda, médico a quem entregou a vida sem queixas e sem cobranças de nada, a não ser de ter direito a esperanças fugidias e a fé sem limites, velhas companheiras de todos os anos vividos.
Tirou um seio, dez anos atrás, depois o outro, em 2013. Mas não venceu as metástases que chegaram aos pulmões. Apesar de tudo, pouco sofreu fisicamente e nunca se importou pelas mutilações estéticas: sua beleza era outra, no coração e na alma. Era linda demais – minha lindona, minha Irmã Dulce.
NOSSA ÚLTIMA CONVERSA, somente testemunhada pela nossa outra irmã, Bebei, enfermeira, e em parte por outra pessoa que de repente surgiu vinda da cama vizinha, poucas horas antes dela perder a consciência, nesta segunda-feira, foi dadivosa, porque tive a coragem de lhe falar sobre a morte, a minha e a dela. O que ela mais queria era que eu não achasse que ela estava morrendo, certamente para não me ver sofrer. “ Estou bem, meu irmão, não se preocupe “ – disse-me algumas vezes este ano, enquanto o quadro de agravava com melhoras e recaídas. Foi em vão, eu sofri todos os dias, não menos do que tenho ainda de sofrer a falta dela. Mas nunca lhe passei a impressão de minhas dores ocultas, porque estou muito preparado para carregá-las a fim de não inquietar aos que me amam.
Na segunda, cansadinha, respirando com o auxílio do oxigênio, mas lúcida, o corpo inchado – o que a impressionava muito negativamente, após meu habitual beijo em sua testa, me disse: – vou morrer, meu irmão! Eu então rasguei minhas entranhas e lhe disse contendo o choro e engolindo as lágrimas “ Eu também vou, não sei se antes ou depois de você. Somos os mais velhos. Estou pronto. A nossa obra, de nós dois, está concluída como muito sucesso, porque fomos pai e mãe de muita gente, como arrimos de família. Eu cuidei de todos e você os educou com conselhos e vigilância e imenso carinho e amor, e um devotamento enternecedor. Somos vitoriosos e felizes , realizados na obra do bem. Você só nos deu alegrias e orgulho, foi generosa e amada. Já podemos até mesmo morrer em paz. Fique tranquila, suporte as dores, estamos a seu lado sempre. Você é boa, foi sempre boa, tem uma grandiosa obra humanitária realizada e uma família grande menos pobre do que já foi. Construímos isso tudo juntos. Você só tem um filho, que está bem encaminhado com a nossa ajuda e duas netas lindas que crescem bem. Vamos em frente, Deus pode tudo”
Depois de minhas palavras, ela mudou o semblante completamente. Ficou paralisada, engoliu salivas ( o choro ) e me disse apenas: “ É , eu fui boa”. Sim, você foi extremamente boa, com nós todos e com todo o mundo – disse-lhe em seguida. Sai dali aos cacos, e foi assim que ela me deixou para o resto da vida. Ela viveu as horas seguintes com essa serenidade com que a deixei, mas o mundo sem ela, para mim, não é o mesmo que habitamos juntos. Tenho muitas razões para chorar: por saudade dela e pela felicidade e orgulho que ela sempre me causou. Penso que já não me acho o mesmo, por causa de perdas de meus bons pedaços. Deus tenha compaixão de minhas dores silenciosas!”
Descanse em paz, dona Gilda, todos os seus bons atos aqui praticados, certamente prevalecerão ante a misericórdia Divina.
Comentário do programa – Dona Gilda era velha amiga do programa a que assistia religiosamente todos os domingos. Era o esteio do seu lar, é tanto que, contra toda a expectativa, sobreviveu um mês ao seu companheiro de mais de cinquenta anos, embora seu estado de saúde fosse de longe mais preocupante. Apegou-se à vida até os últimos momentos, sempre mais preocupada com os outros do que consigo própria, de que dá testemunho seu irmão e amigo nosso Gilvan Freire. Ao meu amigo Gilbiano, filho único do casal, com esposa e filhas sobrou a responsabilidade de manter a herança que Ibiapino e dona Gilda lhe deixaram de integridade e amor ao trabalho. (LGLM)