Lógica torturada (*)

By | 04/07/2015 3:59 pm

 

Ao dizer que não respeita delator, Dilma demonstra incoerência, mistura ditadura com democracia e ataca mecanismo processual

(Editorial da Folha, nesta quarta)

Antipatizar com delatores é uma questão pessoal, mas Dilma Rousseff (PT), na condição de presidente da República, tem o dever legal de respeitar um instituto admitido pela legislação brasileira –a norma mais recente sobre o tema, aliás, foi sancionada pela própria petista em 2013.

Já não seria pouco, mas Dilma não se limitou a quebrar a liturgia do cargo e a demonstrar incoerência. Procurando se esquivar de acusações feitas pelo empreiteiro Ricardo Pessoa, a presidente desmereceu companheiros do passado, misturou democracia com ditadura e atacou um mecanismo de defesa que auxilia as investigações.

Em Nova York, ao comentar irregularidades que Pessoa atribuiu ao financiamento de sua campanha à reeleição, a petista afirmou: “Não respeito delator, até porque estive presa na ditadura militar e sei o que é. Tentaram me transformar numa delatora (…) e garanto que resisti bravamente”.

Dilma pode ter suportado a dor das sevícias; outros tantos sucumbiram. Merecem o desprezo da presidente? Talvez ela tenha se deixado trair, ainda hoje, pela “mitologia heroica” que, como descreve o jornalista Elio Gaspari, era compartilhada por vítimas e algozes.

No livro “A Ditadura Escancarada”, Gaspari ainda lembra algo de que Dilma parece ter-se esquecido: a tortura surge como opção pelo “fato de que ela funciona. O preso não quer falar, apanha e fala”.

Isso nada revela sobre o caráter do torturado, mas diz muito acerca de governos que aceitam essa desumanidade: são regimes ditatoriais que ignoram o primado da lei e mandam às favas princípios caros às democracias, entre os quais está o devido processo legal.

Embora advogados de envolvidos na Operação Lava Jato apontem abusos nas prisões, não se tem notícia de violência física ou supressão do direito de defesa. Não se confundem com ruptura institucional os eventuais exageros processuais –mesmo porque estes têm sido debatidos nas mais diversas instâncias competentes.

Também têm sido debatidas nos foros apropriados as informações oferecidas por quem buscou um acordo de delação premiada em troca de redução da pena. Como Dilma Rousseff bem sabe, a eficácia da colaboração será levada em conta na concessão do benefício.

Se Ricardo Pessoa mentiu ao dizer que pagou propina no esquema da Petrobras ou ao afirmar que deu dinheiro à campanha de Dilma por medo de arruinar negócios com a estatal, a presidente pode ficar tranquila: ele perderá a vantagem processual e suas acusações não levarão a nada, pois ninguém há de ser condenado apenas com base na manifestação do delator.

Isso é o que garante a lei –a mesma lei que Dilma saudou durante as eleições e que agora, cada vez mais isolada, pretende desacreditar.

Comentário do programa 1 – Na coluna Painel desta quarta-feira, a Folha de São Paulo lembrou dois episódios em que Dilma defendeu a delação premiada durante a campanha eleitoral; “Ontem 1 No debate na TV Bandeirantes no segundo turno de 2014, Dilma defendeu a delação premiada. Citou várias leis assinadas por ela –entre elas a nº 1250, que regulamenta o instituto– para dizer que isso possibilitou a investigação na Petrobras. Ontem 2 Em entrevista à “Carta Capital” entre os dois turnos, disse, sobre o instituto: “Para obter provas, Justiça e Ministério Público se valeram da delação premiada, método legítimo, previsto em lei. E muito útil para desmontar esquemas de corrupção”.”

Comentário do programa 2Os petistas (e Dilma entre eles) insistem na tese de que as doações que receberam foram todas legais. Será que foram mesmo legais ou foram legalizadas, como muitas contas de prefeituras para as quais se fabricam documentos para justificar os pagamentos? Prestar contas das doações que um partido ou político recebeu pode servir para legalizar esta doação. Mas como foi conseguida a doação? Terá sido feita de livre e espontânea vontade ou foi extorquida mediante ameaças ou promessas? Quem conhece os bastidores da política conhece isto de perto. Muitos candidatos fazem promessas ou ameaças para conseguirem que empresários façam doações para suas campanhas e depois prestam contas destas doações com a maior “cara de pau”. Será que as doações são realmente legais? (LGLM)

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Category: Opinião

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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