(Editorial da Folha na quinta-feira)
Apresentado como “Agenda Brasil”, o pacote de reformas proposto ao governo federal pelo senador Renan Calheiros (PMDB-AL) sintetiza, em muitos aspectos, as circunstâncias que hoje sacodem o país –e não somente pelo conteúdo, mas também por sua origem e pelas reações que suscitou.
Num primeiro plano, a própria sugestão das medidas denuncia a extrema fragilidade do Planalto. Dado um quadro de crise política e econômica, o habitual, em um sistema presidencialista, seria que o Executivo liderasse iniciativas com vistas a promover o crescimento.
A presidente Dilma Rousseff (PT), porém, mostra-se incapaz de fazê-lo. O presidente do Senado, até há pouco fonte adicional de incômodos para a administração petista, decide tomar a dianteira. Não “estendendo a mão a um governo que é efêmero e falível”, diz Renan, mas oferecendo “um ponto de partida para discutir o Brasil”.
Ninguém há de tomar pelo valor de face as declarações de um político ladino como Renan; seus motivos subjetivos talvez venham a emergir com o tempo. O dado objetivo, de todo modo, é que o pacote do Senado revela, por parte dessa Casa, algum senso de responsabilidade com o país.
O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), acusou o golpe e sentiu necessidade de defender seu lado da cerca: “Não se pode achar que vai construir uma agenda única, que vai ser votada e virar lei. Não é assim que funciona. Não se pode ignorar que há outra Casa legislativa”.
Dificilmente alguém terá se esquecido disso, já que dessa “outra Casa legislativa” partem as principais ações destinadas a desestabilizar ainda mais o governo Dilma –mesmo que isso signifique aprovar leis desastrosas para as contas públicas, presentes e futuras.
Cunha, como se sabe, declarou guerra contra o Planalto, e inúmeros deputados estão do seu lado. Há nisso muito do velho oportunismo parlamentar: trocam-se votos no plenário por cargos e verbas.
Mas há também algo novo: a tentativa de desviar as atenções da Operação Lava Jato, cujas investigações sobre corrupção na Petrobras não têm preservado os políticos.
Cunha tem certa razão quando afirma que a agenda de Renan por ora não passa de “jogo de espuma”. Poucas propostas parecem viáveis, e quase todas demandarão muito debate. Ainda assim, o conjunto tem o mérito de, retomando as boas relações entre o Executivo e o Legislativo, colocar em pauta temas importantes para o país.
Concordando ou não com as medidas, Dilma Rousseff não estava em condições de rejeitá-las. Que ela assim se afaste ainda mais de seu programa, agravando o estelionato eleitoral, é apenas mais um aspecto dessa sintética “Agenda Brasil”.