(Na Folha deste domingo)
A descriminalização da posse de drogas para uso pessoal não tem impacto significativo sobre o consumo dessas substâncias, seja para mais, seja para menos.
É o que apontam estudos realizados em países que retiraram da esfera da Justiça criminal a posse de psicotrópicos para consumo próprio, sem, no entanto, legalizar as drogas e seu comércio.
Na quarta-feira (19), o Brasil pode integrar a lista de mais de 20 países que adotaram essa política caso o STF (Supremo Tribunal Federal) julgue inconstitucional o artigo 28 da Lei Antidrogas, que prevê sanções para quem “adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo” substâncias ilícitas para uso pessoal.
Hoje, o porte é punido com advertência, prestação de serviços e comparecimento obrigatório a programas educativos. Mas quem é pego perde a condição de réu primário. Isso significa que, em eventual outro processo, perde benefícios e está sujeito a penas mais severas.
Na América do Sul, apenas Brasil, Suriname e as Guianas tratam o porte de drogas para uso pessoal como crime.
Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru, Venezuela e Uruguai descriminalizaram o uso, cada um com um modelo diferente e próprio.
A Argentina adotou a medida em 2009 por decisão da Suprema Corte. O Chile tornou porte para uso infração, passível de multa. Colômbia, Equador, Paraguai e Peru determinaram quantidades para o que é considerado de consumo pessoal. Bolívia e Venezuela tornaram obrigatório tratar a dependência.
Em nenhum desses países há relatos nem de explosão nem de forte queda no padrão de consumo da população após a medida ser tomada.
Segundo dados oficiais compilados pela Plataforma Brasileira de Política de Drogas (rede de ONGs e especialistas), Chile e Argentina tiveram leve diminuição do consumo de maconha e de cocaína entre a população adulta.
Em 2008, por exemplo, um ano antes da mudança, 1% dos adultos argentinos haviam consumido cocaína. Em 2014, 0,7% usaram a droga.
Já na Colômbia, o consumo de maconha aumentou depois da lei, mas em 1%.
“Como mostram os dados, dizer que a descriminalização produz aumento ou queda do número de consumidores é equivocado”, afirma Maurício Fiore, pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e coordenador científico da Plataforma.
Na República Tcheca, o padrão de consumo também não sofreu alteração significativa com a mudança de política.
Em Portugal, que descriminalizou o consumo de todas as drogas em 2001, houve um aumento inicial do consumo de algumas substâncias, ao mesmo tempo em que se verificou uma redução no uso entre adolescentes –de 10,8% em 2001 para 8,6% em 2007.
Levantamentos recentes têm apresentado resultados conflituosos: alguns indicam leve aumento, outros apontam leve diminuição.
“Os países que investiram em uma rede de cuidados e em prevenção tiveram bons resultados com a descriminalização”, afirma o secretário nacional de Políticas sobre Drogas do governo federal, Vitore André Zílio Maximiano.
Já para Wladimir Reale, vice-presidente jurídico da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, “descriminalizar será uma hecatombe”, com aumento exponencial do consumo e do tráfico.
Para ele, o usuário não prejudica só a si mesmo, mas toda a sociedade, especialmente na área da segurança pública, pois alimenta o tráfico.
Os críticos da descriminalização dizem ainda que o sistema de saúde já não tem estrutura para atender viciados em drogas lícitas, como álcool –e o quadro irá piorar se houver aumento de consumo.
Para Pedro Abramovay, diretor para a América Latina na Open Society Foundation e ex-secretário nacional de Justiça, a criminalização foi uma “aposta”, mas a legislação atual é um atraso. “A vantagem do atraso é saber que podemos dar este passo e separar polícia de saúde, sem cair no precipício.”