(Editorial da Folha, na sexta)
Há dez anos e por muito menos, o então presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (PP-PE), renunciou ao comando da Casa e ao próprio mandato parlamentar. Era acusado de cobrar um “mensalinho” do dono de um restaurante no Congresso –R$ 10 mil em dinheiro da época.
Eduardo Cunha (PMDB-RJ) certamente não é Severino. Em estatura política e capacidade de articulação, seria até injusto comparar o peemedebista com o pepista.
Mas também seria injusto com o folclórico “rei do baixo clero” equiparar as falcatruas de 2005 aos esquemas que, no entender da Procuradoria-Geral da República, contam com a participação do belicoso deputado fluminense.
A crer no depoimento do lobista Julio Camargo, colhido no âmbito de um acordo de delação premiada, Cunha exigiu US$ 5 milhões para facilitar negócios da empresa sul-coreana Samsung Heavy Industries com a Petrobras.
O deputado nega ter recebido propina, mas a PGR levou o caso adiante. Nesta quinta-feira (20), Rodrigo Janot apresentou ao Supremo Tribunal Federal sua denúncia (acusação formal) contra Cunha, descrevendo na peça os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
Embora o ex-presidente da República e hoje senador Fernando Collor (PTB-AL) também seja alvo da iniciativa, todas as atenções se voltam para o peemedebista. Perderá aliados? Aumentará a pressão sobre o governo federal?
Questões dessa ordem se impõem quando alguém como Cunha capitaneia a Câmara. Afinal, o presidente da Casa tem o poder não só de pautar a agenda legislativa mas também de dar sequência a pedidos de impeachment.
Enquanto tais perguntas permanecem sem resposta, o deputado fluminense tratou de dissolver outra dúvida que surgia: não pretende desistir de seu mandato nem renunciar ao cargo que hoje ocupa.
Sem que haja ordem judicial em sentido diverso – nem mesmo se formulou pedido dessa natureza –, Cunha pode tomar a decisão que considerar mais adequada politicamente. À diferença de Severino Cavalcanti, o peemedebista não deixou de ter ascendência sobre a maior parte de seus colegas.
A situação será outra, no entanto, se o plenário do STF julgar que existem elementos suficientes para receber a denúncia, dando início ao processo penal.
Nessa hipótese, para que seus atos não mereçam sempre dupla interpretação e para que a imagem da Câmara dos Deputados não se confunda com a de uma figura no banco dos réus, Eduardo Cunha precisará deixar o comando da Casa. Espera-se que ele e seus pares tenham consciência disso.
Comentário do programa – Severino Cavalcanti (que me perdoe o quase conterrâneo), à vista de Eduardo Cunha, é um simples “ladrão de galinha”. E como ladrão de galinha não escaparia da condenação. Eduardo Cunha usa “colarinho branco” e, a crer no Procurador Geral da República, meteu a mão em milhões. De dólares. (LGLM)