Eu não fui, mas gostei.

By | 23/08/2015 7:50 am

 

(Ruth de Aquino, colunista da revista Época)

Quem ganhou de barbada nas manifestações contra e a favor de Dilma Rousseff foi a democracia brasileira. Fiz parte dos milhões de brasileiros que não foram a nenhuma das duas. Nem no domingo 16 nem na quinta-feira 20. No país hoje tão acusado de “intolerância”, o que vi foi o exercício pacífico da liberdade de expressão. Os maiores ausentes foram os black blocs (lembram?), a violência, os danos ao patrimônio público ou privado, a intimidação policial.

Com bandeiras e cartazes, com famílias e amigos, com alegria e indignação, com esperança e até com muitas dúvidas, foram às ruas brasileiros de todos os matizes e ideologias. Mais de 1 milhão, com certeza, e muito mais contra Dilma que a favor. Nas passeatas a favor da presidente, havia protestos contra o programa econômico de Dilma, o ajuste fiscal, o ministro Levy, o arrocho a trabalhadores, à classe média e aos aposentados.

O que importa é que não vimos pancada ou tiro. Não vimos encapuzados depredando bancos e lojas. Nem bombas de gás lacrimogêneo. Não vimos jovens algemados, à esquerda ou à direita. Nem jornalistas atacados ou cinegrafistas mortos. Não vimos repressão truculenta de policiais fardados ou à paisana. Não vimos os black blocs de triste lembrança. O que aconteceu com essa turma que usou o pretexto dos 20 centavos de aumento nas passagens de ônibus para aterrorizar as ruas e o povo?

O dono das ruas foi a paz. Foram tão cordatas as manifestações de lado a lado que acabaram acusadas de artificiais, montadas ou despidas de convicção. A maior lição das ruas foi dupla. O governo Dilma não será derrubado por protestos porque não é assim que funciona uma democracia. O governo Dilma não poderá ignorar os protestos à esquerda, ao centro e à direita e terá de enfrentar uma crescente insatisfação popular. As manifestações ficaram longe da unanimidade. Havia blocos distintos e divergências profundas dentro de cada marcha.

Um personagem conseguiu unir o Brasil, acusado de roubar milhões de dólares. Somos todos – ou quase todos – contra o abominável Eduardo Cunha, por enquanto presidente da Câmara. Cristo deve se contorcer na cruz diante do mau uso que Cunha faz de seu nome: o deputado e sua mulher têm uma empresa chamada Jesus.com, com uma rede virtual, explorando a fé evangélica. Um sintoma de nervosismo de Cunha é sua repentina prudência nas declarações, com voz mais desafinada que a habitual. Renan Calheiros aconselhará o companheiro a fazer como ele fez no Senado. Renuncie. E depois volte. E volte como eu voltei, dirá Renan, amigo da rainha, sucessor de Sarney como eminência parda.

Vimos de tudo nas ruas. Os desiludidos que querem a implosão do governo Dilma e a implosão do Congresso, acabando com todas as mordomias das castas partidárias, sem pensar no futuro próximo. A esquerda que reza pela cartilha de Dilma, seja lá o que ela fizer, e isso inclui todas as concessões, como o loteamento de cargos comissionados e um Estado cada vez mais inchado e ineficiente, que oferece péssimos serviços públicos. A esquerda que fecha os olhos aos acordos de Dilma com o grande capital, com o pior PMDB, com os empresários de telecomunicações. A esquerda que rejeita o programa econômico de Dilma por considerá-lo de direita. A social-democracia que quer a renúncia de Dilma e uma reforma política – mas defende a política econômica de Levy. A direita que quer o impeachment de Dilma. A extrema-direita que quer a volta dos militares.

O maior equívoco é cometido não nas ruas, mas nas redes sociais, que, na falta de coquetéis molotov, bombardeiam com palavras ofensivas e raciocínios primários quem pensa diferente. Comparar o Brasil de hoje ao de 1964 é uma total falta de perspectiva histórica. Há 16 anos, uma passeata em Brasília pediu “fora FHC”, e Lula disse: “Renúncia é um gesto de grandeza. Só um grande homem tem essa grandeza. Fernando Henrique não tem. Ele é orgulhoso e prepotente”. Ninguém chamou Lula de golpista ou nostálgico da ditadura. E FHC tinha um índice de aprovação mais alto do que o atual de Dilma. FHC plagiou Lula na semana passada. E foi uma comoção geral.

Chamar todo oposicionista de fascista, rico, golpista e coxinha. Chamar todo petista de burro, pobre, pelego e mortadela. Esse festival de besteiras também faz parte, infelizmente, da democracia. Mas as ruas deram um banho nas redes sociais. Mostraram que o metro quadrado do asfalto pode ser dividido em paz, no mesmo dia e na mesma hora, por quem defende inúmeras saídas para a crise política e econômica do Brasil. As ruas deram seus recados. Vamos escutar e agir.

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Category: Nacionais

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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