(Publicado no Paos Oliveira)
Por conta de dois artigos meus, onde falava sobre moradores da rua dos Dezoito de meu tempo de menino, minha antiga ouvinte dona Raimunda Nunes de Figueiredo, mandou-me a seguinte carta, deixada na portaria da Rádio Espinharas: “Luiz Gonzaga. Li e reli sobre a história da rua dos Dezoito. Gostei muito. Eu não sou daqui, sou de Itapetim, mas moro aqui desde janeiro de 1946 e moro aqui na Rua Peregrino de Araújo. Desde que aqui cheguei fui vizinha dos pais de Zé de Maroca. Levei, muitas vezes, ele e Josemar para a missa das crianças na Catedral (naquela época Matriz). Eu sou do ano de 1931. Conhecia seus pais, era amiga de Lourdes, sua tia. Etelvina (sua tia) era minha comadre, ela é madrinha de uma filha minha. Conheci todas as pessoas da rua dos Dezoito. Os falecidos e os vivos. Sei até as casas em que moravam. Agora tem uma coisa, tem umas pessoas que você se esqueceu. Laurindo Nunes Perônico que era meu irmão, dono da Sapataria Denes. Nininha Brasileiro morava vizinho a mãe de Sebastião Ramos e trabalhava no Foto Patos. Chico Vitorino morava vizinho a Maria Nicácio, ele trabalhava com Manuel Motta, na casa que vendia couro para calçados. (Chico Vitorino era o pai de Inacinha, dona Raimunda?). Me lembro da queda que você caiu com a mamadeira, se não me engano (a mamadeira era um frasco de) Biotônico. Meu nome é Raimunda Nunes de Figueiredo, casada com Valdomiro Simões, temos 61 anos de casados e tenho boa memória.” E que memória, dona Raimunda!.
Eu me lembro muito bem das pessoas a quem dona Raimunda se referiu: seu irmão Laurindo Nunes Perônico, a festeira Nininha Brasileiro, personagem inesquecível de minha geração, e “seu” Chico Vitorino. Só que ao escrever os artigos a memória me falhou, como falhou em relação a muitos outros, é tanto que vou me valendo de leitores como dona Raimunda, Zé de Maroca, Maria José de Virgílio e Dinha de Otoni, para ir reconstituindo a população da rua dos Dezoito, dos meus tempos de menino. Mas vamos a outros fatos, antes que eu me esqueça deles.
Apesar de só ter saído da rua dos Dezoito em 1958, comecei a me despedir da rua em 1955, quando fui para o Seminário. A partir daí, dei adeus às peladas com bola de meia, jogadas no meio da rua, então sem calçamento. Adeus “morcegos” nos caminhões que desciam a rua em busca do rio. A rua de então nem parece a rua de hoje asfaltada, com semáforos e até uma ponte atravessando o Rio Espinharas.
No final de 1952, foi inaugurado o Grupo Coriolano de Medeiros, onde fui estudar em 1953, fazendo o primeiro ano primário. A diretora era dona Lidinha Farias e minha professora no primeiro e no segundo ano foi dona Adjalma Medeiros, irmã do futuro prefeito Rivaldo Medeiros. Era uma excelente professora e da sua sala saíram vários futuros doutores. Quando cheguei ao Coriolano eu tinha apenas sete anos. Era pequeno e franzino. Minha mãe me encomendou a Ricardina Cruz, filha de Zé Jerônimo e dona Santina Cruz. Era pouco mais velha do que eu (perdoe-me a indiscrição!) e me protegia dos meninos maiores, até a escola. Lá ela se juntava com as outras meninas e eu corria para a calçada de “seu” Epaminondas Rocha, que morava em frente ao Grupo. Lá esperava o toque da sineta para entrar na escola. Se algum menino tentava mexer comigo, ele, da janela, advertia: “não mexa com ele, pois é meu neto”. Não tínhamos nenhum parentesco, mas ele conhecia meus pais e por isso tinha esse cuidado comigo. “Seu” Epaminondas era sogro de Antônio Davi, avô, portanto, de Agrimar, Bazinho, Ribamar e Zé Messias. Quando na década de sessenta outro garoto matou Ribamar, ferindo-o com uma tesoura, chorei como se fora uma pessoa da família. Além da amizade com a família, Ribamar era meu aluno, no Colégio Estadual.
No final de 1954, Padre Sitônio, então vigário da Paróquia de Nossa Senhora da Guia, a única da cidade, começou a recrutar alunos para o Seminário de Cajazeiras, que seria inaugurado no ano seguinte. Minha tia Etelvina que tinha o sonho de ter um sobrinho padre, convenceu meu pai e minha mãe a mandar-me para o Seminário e indicou meu nome ao Padre Sitônio. Se eu não desse para padre, pelo menos, estudaria.
Acertada a minha ida para o Seminário, tia Etelvina e minha mãe começaram a mobilizar os amigos para tornar possível a minha entrada no Seminário. Hábil costureira, tia Etelvina mesma fez cuecas, calças, camisas, calções, lençóis, fronhas e sacos de roupa. Meu pai encomendou a Nego Tolha, que tinha sapataria vizinho à Bodega de Manoel Doca (que ficava na esquina da rua do Nego), um sapato feito de couro com sola de pneu de caminhão, para aguentar o “rojão” de um moleque de nove anos. O sapato tinha que ser um pouco folgado para “tirar” uns dois ou três anos.
Antes de terminar o segundo ano, que cursava no Coriolano, minha mãe matriculou-me na escola de Dona Terezinha, que dava reforço em sua casa na rua do Nego. Os pais de dona Terezinha moravam vizinhos a Titiu, pai de Tefo e Miro, que era da banda de música. Os dois anos de Coriolano, mais o reforço em dona Terezinha foram tão eficazes que quando cheguei no Seminário fiz uma seleção e fui classificado para a turma mais adiantada do quarto ano primário.
Fui para o Seminário em fevereiro de 1955, acompanhado pela minha tia Etelvina. Fomos de trem, da Rede Viação Cearense, cuja linha ia até Fortaleza. Íamos até Antenor Navarro (atual São João do Rio do Peixe) de onde partia um ramal que ia até Cajazeiras. Era uma turma grande de Patos, entre os quais Zé Campos, Assis e Hermínio Ramos, Edleuson Franco, Marconi Sobral, Everaldo Medeiros (filho de “seu” Solon Medeiros, que era pai também de Ambrósio e Uá), Francisco e Antônio Cabral, entre outros. Chegando em Cajazeiras, tia Etelvina me entregou ao Padre Gualberto que era meu “padrinho de consagração” e era o reitor do Seminário de Nossa Senhora da Assunção. Recomendou-me também a Everaldo Medeiros, o Vavá, que era bem maior do que eu.
Eu tinha apenas nove anos de idade e era dos menores. Tão pequeno que ainda chupava chupeta. Escondido, para ninguém saber. Mas um dia pela manhã, acharam uma chupeta no dormitório dos menores e quando perguntaram de quem era “caí na besteira” de dizer que era minha. Ganhei ali mesmo o apelido de Chupeta, que alguns chamam até hoje.
Daí até sair do Seminário em 1960 eu só voltava para casa nas férias de meio e final de ano. Mas já não brincava com os colegas da rua. Vivia pela igreja e passei a frequentar a nova igreja de Santo Antônio, ainda em construção. Ajudava o Padre Dutra, vigário da nova paróquia.
Em 1958, saímos da rua dos Dezoito e fomos morar no chamado Beco de Dona Zefinha, que ficava entre as ruas Peregrino de Araújo e Padre Anchieta. Dona Zefinha Motta, mãe de Edvaldo, tinha umas casas pequenas naquele beco, todas alugadas. Não sei se aquela onde fomos morar era realmente dela. Moramos alguns meses ali, onde passei pelo menos uma das minhas férias. Em 1959 fomos morar na rua Cônego Bernardo, vizinho a Dona Lia, de quem fiquei amigo até ela morrer. Em 1960, meus pais voltaram para o Beco de Dona Zefinha, no trecho entre a Irineu Jóffily e a Pedro II. Fomos morar numa casa virada para a Igreja de Santo Antônio, de onde, naquela época víamos a igreja. Quando eu saí do Seminário em setembro de 1960, vim direto para a casa de meu avô, na Peregrino de Araújo, por que não sabia exatamente onde meus país estavam morando. A casa de meu avô tinha um portão que saía no beco de dona Zefinha, atual Travessa Senhor Gualberto, por sinal sogro de um tio meu. Ali moramos até 1963, quando fomos morar na rua Capitão Ló, esquina com a rua Cônego Bernardo, numa casa de Marão, amigo de meu pai desde os tempos da Chave de Ouro. Nesta casa morei com meus pais, até casar em 1970, já trabalhando no Banco do Brasil, em Piancó.