(Folha de São Paulo)
Um relatório da Receita Federal aponta indícios de aumento patrimonial incompatível com os rendimentos do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), sua mulher, Cláudia Cruz, e sua filha Danielle Dytz da Cunha.
Segundo o documento, os valores considerados como aumento patrimonial “a descoberto” de Cunha, Cláudia e Danielle totalizam R$ 1,8 milhão entre 2011 e 2014.
O levantamento usa o termo técnico “indício de variação patrimonial a descoberto”, que é um crescimento incompatível com a renda. Não há, porém, detalhes sobre o que provocou esse acréscimo.
O salário bruto de deputado federal atualmente é de R$ 33,7 mil. Cunha e sua mulher também são sócios de empresas na área de comunicação.
A apuração da Receita está sendo feita a pedido da Procuradoria-Geral da República na Operação Lava Jato, já que Cunha e seus familiares são investigados no STF sob suspeita de terem mantido contas secretas no exterior abastecidas com recursos desviados da Petrobras.
O deputado nega e justifica que os recursos têm origem em negócios no exterior.
O relatório, ao qual a Folha teve acesso, está sob sigilo e foi finalizado em 29 de outubro. Foi feito pela Diaes (Divisão de Análises Especiais) da Receita Federal.
O fisco diz de forma genérica que a variação patrimonial de R$ 1,8 milhão tem relação com gastos de cartão de crédito. “Os montantes dos indícios apontados estão significativamente influenciados pelos gastos efetuados com cartão de crédito”, afirma trecho do relatório.
O documento não diz se tais gastos são referentes a cartões abastecidos com alguma das quatro contas no exterior ligadas a Cunha e seus familiares, que tinham cerca de R$ 9,6 milhões.
A Folha apurou que outra investigação da Receita também encontrou aumento patrimonial a descoberto de Cunha referente a 2010, no valor de cerca de R$ 50 mil, que com juros e multa alcançaria R$ 100 mil. O caso já está na fase de defesa do deputado.
Dois especialistas em direito tributário ouvidos pela Folha afirmam que essa descoberta não representa automaticamente sonegação fiscal, mas isso pode ser configurado a partir de investigação realizada por auditores.
Também segundo esses especialistas, altas faturas de cartão de crédito podem chamar atenção da Receita e provocar a situação descrita.
A investigação da Receita, caso comprove irregularidades, pode resultar na cobrança de impostos devidos e de multas, além de fundamentar investigações criminais.
DADOS FISCAIS
A Receita enviou também à PGR as declarações de Imposto de Renda de Cunha e parentes. Em relação à filha Danielle, o órgão detectou aumento de sete vezes no patrimônio, em valores nominais.
De R$ 208 mil em 2010, a publicitária passou a ter R$ 1,5 milhão em 2014, segundo dados de sua declaração de IR. Uma transferência de R$ 800 mil feita por Cunha à filha em 2013 influenciou significativamente o aumento.
Nesse intervalo, ela declarou bens no valor de R$ 183 mil em 2011, R$ 537 mil em 2012 e R$ 1,2 milhão em 2013.
Em 2014, informou possuir dois veículos de cerca de R$ 100 mil e um apartamento no valor de R$ 1,2 milhão.
Além dos dados de Cunha, a Receita ainda analisa informações fiscais de empresas da família, como a C3 Produções artísticas e a Jesus.com.
Cunha já foi denunciado ao STF sob acusação de receber US$ 5 milhões em propina de contratos de navios-sonda da Petrobras. O deputado é alvo de um pedido da PGR de afastamento do comando da Câmara. Ele também responde a um processo de cassação na Câmara.
OUTRO LADO
Cunha afirmou, por meio de sua assessoria, que não possui patrimônio “a descoberto” e que desconhece o relatório da Receita Federal. Ainda de acordo com a assessoria, Cunha disse que, se houver, o relatório deveria estar sob sigilo.
O deputado disse ainda que a doação de R$ 800 mil a Danielle é decorrente de empréstimos que tomou junto a instituições financeiras e dinheiro próprio repassados para a filha.
O advogado que acompanha Cunha junto à Receita, Leonardo Bueno, afirmou que há uma investigação sobre o período entre 2011 a 2014, mas que a defesa não foi comunicada sobre a conclusão e não pode comentar.
Em relação à acusação da Receita de patrimônio a descoberto em 2010, Bueno disse que há “inconsistências” na metodologia dos auditores e isso será contestado em sua defesa, mas que não há relação do procedimento com as contas no exterior.
A Folha entrou em contato com as defesas de Cláudia Cruz, mulher do deputado, e de Danielle Dytz. A defesa da filha de Cunha informou que não iria se manifestar por não ter tido acesso ao relatório da Receita. A da mulher dele não se pronunciou