(Ruth de Aquino, colunista da revista Época)
O Brasil vive uma novela de paixões e ódios, com um fim totalmente indefinido. Mas, se há um inimigo indiscutível, um vilão que une o país e justifica a revolta nas ruas, é a corrupção. A corrupção é mais danosa quando vem dos “representantes do povo” com foro privilegiado para crimes comuns (uma chaga que precisa acabar!). A corrupção dos poderosos ofende e insulta quem sua para ganhar a vida e pagar contas e impostos – sem retorno para a comunidade. Mesmo quem ainda defende Dilma e Lula é incapaz de apoiar a corrupção.
Quem rouba para encher seu bolso e o bolso de filhos e parentes, ou então para ganhar eleições, deveria ter uma punição exemplar. Quem desvia centenas de milhões de dólares de dinheiro público e de nossas estatais, num país em que tudo falta – educação, saúde, segurança, saneamento, habitação, transporte, infraestrutura, dignidade –, está assaltando a infância, a juventude, a velhice, os ideais e o futuro do Brasil. Para criminosos dessa estirpe, o que a Justiça dos homens deveria reservar seria a cassação de direitos políticos e cadeia. Simples assim. Deveria ser simples assim.
Se nunca foi assim, nada impede que passe a ser. Houve dois momentos em que se acreditou que a Ética passaria a dominar o jogo político. Um foi na primeira posse de Lula como presidente da República, quando o PT prometia moralizar a política. O outro momento de esperança ocorreu quando o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, negro, ex-faxineiro, culto, primogênito de oito filhos de um pedreiro e uma dona de casa, se tornou símbolo do combate à corrupção e à impunidade, com a guerra ao mensalão e ao caixa dois para financiar políticos.
Sem entrar no mérito da divulgação recente dos grampos de Lula, porque há argumentos válidos contra e a favor, o conteúdo das escutas telefônicas do ex-presidente desmascara o Lulinha paz e amor. A figura que emerge é preconceituosa, autoritária, ignorante e incendiária. Lula conversa com o irmão: “Domingo (13 de março, dia da manifestação pelo impeachment de Dilma) eu vou ficar um pouco escondido, porque vai ter um monte de peão na porta de casa pra bater nos coxinhas. Se os coxinhas aparecerem, vão levar tanta porrada que eles nem sabem o que vai acontecer”. Seus militantes não são peões, Lula. E tudo o que o senhor não deveria desejar seria confronto nas ruas.
“Onde estão as mulher de grelo duro (do PT)?” “A Clara Ant (diretora do Instituto Lula) tava dormindo sozinha quando entraram cinco homens lá dentro, ela pensou que era presente de Deus, era a Polícia Federal, sabe?” “Temos uma Suprema Corte totalmente acovardada, um Superior Tribunal de Justiça totalmente acovardado, um Parlamento totalmente acovardado.” “Um presidente da Câmara f…, um presidente do Senado f…” “Bicho, eles (Moro e os procuradores da Lava Jato) têm que ter medo. Eles têm que ter preocupação.”
Essas palavras saídas da boca do Lula real são mais prejudiciais ao governo Dilma do que o diálogo sobre o termo de posse de Lula como ministro da Casa Civil. Essas escutas destroem a maior qualidade de Lula, exaltada por Dilma em seu discurso e reconhecida por todos – a de “hábil articulador”. Lula agora vai articular com quem? Com o povo? Está difícil.
Lula e Moro são dois símbolos. Lula simboliza a ascensão dos pobres, a retirada de milhões da miséria. Um símbolo arranhado porque, com a incompetência de Dilma, voltou à miséria boa parte dos que já se achavam classe média. Moro simboliza o combate à corrupção. Está deslumbrado, o que o fragiliza. Não é apenas porque Moro existe que se combate a roubalheira. Temos Polícia Federal livre, Ministério Público livre, milhares de investigadores e procuradores e juízes de várias instâncias livres para investigar. Todos esses caras erram e acertam e, no conjunto, fazem um grande trabalho. Temos um Supremo Tribunal Federal que não se curva aos interesses de uns e de outros. Temos uma imprensa livre. Somos uma democracia.
Nem em seus maiores pesadelos, Lula imaginou que disputaria com um juiz o amor ou a admiração popular. Com uma Oposição fraca, também venal e investigada por corrupção, seduzida igualmente pelo dinheiro das empreiteiras, Lula se achava acima do bem e do mal. Faturando em cima do fantasma dos fascistas, dos militares e dos evangélicos aloprados, Lula achou que, com seu carisma e passado, jogava um jogo ganho.
Até que o país afundou. O PT se desmoralizou. E Moro apareceu. Se, para o PT, a voz do povo é a voz de Deus, seria interessante saber quem é hoje mais popular, quem simboliza as maiores aspirações do país. Lula ou Moro?