(Editorial da Folha, no sábado da semana passada)
Dado o descalabro econômico, era questão de tempo: no ano passado, pela primeira vez desde 1992, observou-se ao mesmo tempo uma queda na renda e um aumento de sua desigualdade entre os brasileiros. Além disso, encerra-se um período de 13 anos ininterruptos de melhoria na equidade social.
Se o PT, desde o escândalo do mensalão, já não podia mais se arvorar em defensor da ética na política, agora precisará começar a arriar a última bandeira que lhe restava.
Não é mistério que o papel preponderante para a redução da desigualdade na última década foi a forte criação de empregos, favorecida pela incomum conjunção de fatores positivos, tanto domésticos quanto internacionais.
A equidade melhorou na medida em que os salários na base da pirâmide social cresceram mais que os outros. De 2003 a 2014, a renda dos 10% mais pobres aumentou 130% acima da inflação, contra apenas 30% na camada superior.
Outros fatores foram importantes. O alargamento da cobertura da Previdência, o contínuo crescimento do salário mínimo e os programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, ajudaram a espalhar renda em regiões de menor dinamismo econômico e reduziram a pobreza extrema.
Desde 2015, todos esses vetores ficaram nulos ou mudaram de sentido –e justamente no mercado de trabalho, o mais relevante de todos, aparece inédita deterioração.
Fecharam-se, nesse período, 1,8 milhão de vagas formais. A taxa de desocupação, medida pela Pnad contínua, atingiu 9,5% no trimestre encerrado em janeiro deste ano. Já são 9,6 milhões de desempregados.
Ao contrário do que a militância petista gosta de tentar fazer crer, o governo só pode culpar a si mesmo. O diagnóstico é claro: de força motriz para a melhoria das condições sociais, a gestão da política econômica perdeu o rumo e se transformou em obstáculo.
Acumularam-se desequilíbrios a partir de 2008, inicialmente pela insistência em expandir os gastos e o crédito público, depois pela recusa em mudar de direção enquanto havia tempo para isso.
Resultaram daí o colapso das finanças públicas e a pior recessão das últimas décadas, uma tragédia que supera as piores previsões e os maiores alertas –que não faltaram.
Não há como cuidar da igualdade de oportunidades, do acesso a bens públicos para todos e da redução da desigualdade com as finanças do Estado em frangalhos.
Não haverá avanços sustentáveis em equidade social sem uma economia sadia e sem crescimento. Não haverá expansão do PIB sem políticas responsáveis, que cuidem do equilíbrio nas contas públicas e reduzam a inflação.
Que ao menos a situação atual sirva para atestar que o populismo econômico prejudica sobretudo os mais pobres.