(Ruth de Aquino, colunista da revista Época e comentário nosso no final)
Lamento, querido Eduardo Cunha, mas o senhor foi vítima de si mesmo. Do personagem inescrupuloso construído por uma história de vida de fraudes, propinas, intimidações a adversários, advogados, delatores, doleiros, relatores, contas secretas na Suíça, mentiras indecorosas, extorsões, alianças espúrias e enriquecimento ilícito.
Cunha se achava tão digno de suspeita que mudou a plaquinha com o número da casa alugada no Rio de Janeiro, no bairro da Gávea, na Zona Sul. O endereço era Rua Sérgio Porto, número 171. Ele “falsificou” para 173 durante os nove anos em que esteve ali. Para não confundir o visitante. No Código Penal, como sabemos, o artigo 171 se refere aos “estelionatários”. Levou a plaquinha falsa quando foi embora.
Querido, o senhor caiu. E, se o Conselho de Ética tiver algum apego ao substantivo “ética”, o senhor será cassado por seus pares e ímpares. Não adianta seu vice Waldir Maranhão – que responde a três inquéritos criminais – surtar, sair correndo da Câmara e cortar o som das vozes dos deputados, como se dependessem de microfones para se fazer ouvir. O país continuará a clamar por sua cassação – e até por sua prisão preventiva, caso ainda tente obstruir a Lava Jato.
O senhor ameaça levar muitos figurões da República junto com o senhor para os quintos dos infernos. O senhor já disse que tem muito a falar. Que fale. Por 11 votos a zero no Supremo, o senhor foi declarado “sem condições mínimas” de estar onde está, na linha de substitutos da Presidência da República. Foi uma goleada acachapante. Não vale dizer agora que o juiz roubou, não é mesmo?
Cunha sempre faturou com a fé. Uma de suas empresas com a mulher, Cláudia Cruz, é a “Jesus.com”. Entre centenas de domínios de internet que registrou em seu nome, constavam em 2014 facebookjesus.com.br, compracrente.net.br, jesustube.net.br. Cunha não precisará rezar para ganhar dinheiro. O peemedebista continuará a ganhar R$ 33.763 por mês, benefícios como auxílio-moradia ou apartamento funcional, cota para passagens aéreas, gasolina, telefone e escritório, e verba de gabinete de R$ 92.053,20. Poderá continuar com a residência e o carro oficial da presidência da Câmara, equipe de seguranças e jato da FAB. Escandaloso.
A suspensão de Cunha resgata a imagem do Brasil, dentro e fora. O país vinha sendo criticado por adotar dois pesos e duas medidas. Como afastar Dilma por crimes de responsabilidade fiscal e ao mesmo tempo permitir que um réu por corrupção no Supremo continuasse livre, leve, solto e poderoso no Legislativo?
Teria sido melhor que Cunha já tivesse sido suspenso desde dezembro, quando o procurador da República Rodrigo Janot elencou 11 argumentos para o STF afastar o deputado. O ministro Teori Zavascki alega ter aguardado o tempo máximo antes de se arriscar a ver Cunha ocupando, como substituto, a cadeira de presidente da República. Não é normal que um Poder afaste o presidente de outro Poder. É uma decisão inédita. Esperava-se que a própria Câmara tirasse Cunha. Se Teori não agisse logo, na quinta-feira pela manhã, era possível que o STF aprovasse uma moção da Rede que apenas afastaria Cunha da presidência da Câmara, mas manteria intacto seu mandato.
Corta-se assim o Mal pela raiz? Os petistas sonham alto – querem anular a votação na Câmara pelo impeachment de Dilma Rousseff, sob a alegação de que um réu “em desvio de poder” não poderia presidir a sessão. Não se concebe, porém, que o STF interrompa no Senado um rito que vem cumprindo as normas constitucionais, com amplo direito a defesa e votação no plenário.
A saída de Cunha é uma advertência. Na Câmara, teme-se que a decisão do STF crie jurisprudência e os tribunais passem a suspender mandatos em massa de prefeitos, vereadores, governadores e deputados estaduais. Se tiverem de sair todos os políticos que “usaram seu cargo em benefício próprio”, vamos combinar que sai quase todo mundo.
A suspensão de Cunha também é um sinal a Michel Temer. Não existe apoio para um ministério inchado ou negociações de Pastas com sei lá quem em “pagamento” pelo apoio ao impeachment de Dilma. Não dá para entronizar um pastor da Universal no Ministério da Ciência e Tecnologia. É fazer pouco de um povo que passou a se interessar por política, a bater panela, a vaiar e a cobrar dos governantes. Um povo que não gostou de ser enganado por Dilma. Sem Cunha no caminho, os holofotes iluminam agora o querido senador Renan Calheiros, envolvido em inquéritos na Lava Jato.
Aguardem todos, sua hora vai chegar. “Afinal de contas”, como dizia Eduardo Cunha em seus tempos de radialista, “o povo merece respeito!” Queremos viver não em outro país, mas em outro Brasil. Tchau, queridos e queridas.
Comentário do programa – Eduardo Cunha estava atravessado na garganta de muita gente. Seu afastamento já chegou tarde. Mas, infelizmente, ele vai continuar agindo nos bastidores e influindo sobre as decisões da Câmara. (LGLM)