Nem imunes nem impunes

By | 20/11/2016 3:18 am

 

(Ruth de Aquino, colunista da revista Época)

         Um “mau exemplo” para o país até dias atrás, o falido estado do Rio de Janeiro se transformou em inspiração para tantos estados saqueados por governantes, em maior ou menor grau. Duas prisões, dos últimos dois governadores do Rio, com a revelação de detalhes sórdidos de roubos estratosféricos para enriquecimento pessoal, nos dão a esperança de um futuro mais ético na política.

         “Quando o Sérgio Cabral for preso, eu vou visitá-lo na cadeia. E vou levar um bombom Garoto.” Essa era a gozação favorita do ex-governador Garotinho com seu desafeto Cabral. Não imaginava que ambos acabariam no mesmo presídio, Bangu 8. Felizmente em celas separadas, a julgar pelo destempero de Garotinho, que, mesmo na maca da ambulância, ameaçava bater e arrebentar aos berros. Se quiserem bombons, champanhes e regalias, Cabral e Garotinho terão de subornar guardas – o que não seria nada, diante da ficha pregressa dos dois políticos.

         A prisão de Cabral é, sem dúvida, mais importante. Por tudo. Garotinho sempre foi uma figura mais folclórica e muito mais regional: ele é nascido em Campos dos Goytacazes e acusado de envolvimento com milícias. Agora, sonhava alto com a eleição de Marcelo Crivella para a prefeitura do Rio, de quem é conselheiro pessoal. Os dois são evangélicos. Foi com base no voto religioso que Garotinho conseguiu ser, em 2002, o terceiro colocado na eleição à Presidência da República. Sua mulher, Rosinha, é prefeita de Campos apesar de ter sido cassada pelo TRE no mês passado, sua filha Clarissa é deputada federal e ele é um dos caciques do PR, partido do vice de Crivella, Fernando MacDowell.

         Com o carioca Sérgio Cabral, o buraco é muito mais em cima. Cresceu na política e se tornou senador como defensor dos direitos do idoso. Eleito governador do Rio em 2007, chegou a ser cotado pelo PMDB para presidente do Brasil. Várias de suas políticas são dignas de elogio. Criou as UPAs, Unidades de Pronto Atendimento. Criou as UPPs nas favelas, as Bibliotecas-Parque. Reduziu roubos e homicídios. Colocou as finanças do estado em dia com a ajuda do petróleo, criou o Rio sem Homofobia. Instalou computadores nas escolas. Era em 2009 um dos 100 brasileiros mais influentes. E talvez o governador mais amigo de Lula. Têm temperamentos parecidos. Cabral imita Lula com perfeição.

         Por tudo isso, sua queda final foi lenta. A desgraça começou quando ficou clara sua promiscuidade com empreiteiros, em especial com Fernando Cavendish, da Delta – o mesmo que deu um anel de R$ 800 mil para a advogada Adriana Ancelmo, mulher de Cabral. O ex-governador sumiu, mesmo morando na quadra da praia do Leblon. Renunciou e elegeu seu poste e sucessor, Pezão. Agora, as delações premiadas desnudaram um esquema de propinas capaz de ruborizar o mafioso mais insensível.

         Cabral teria roubado dos cofres públicos R$ 224 milhões, em cobrança de propinas negociadas até no Palácio Guanabara, em troca de contratos de obras e isenções fiscais. Duvido que o valor seja apenas esse. Cabral recebia mesadas de até R$ 500 mil. Usava para viajar e comprar, em dinheiro vivo, obras de arte, carros, lanchas, joias e vestidos de festa. Além de levar uma grana da reforma do Maracanã e da obra do Arco Metropolitano, Cabral meteu a mão no PAC das favelas, levou dinheiro do teleférico do Alemão e enriqueceu um bando de assessores e amigos. Tudo segundo as delações.

         É muito vergonhoso, num Rio hoje sem verba para pagar salários ou manter seus compromissos na saúde e na educação. O escândalo respinga no PMDB nacional e encharca de suspeitas o governador Pezão, que foi secretário de Obras de Cabral.      Assessores presos de Cabral são íntimos do atual governador. Se Pezão fosse japonês, já teria apresentado sua renúncia, até ser investigado e inocentado. Mas Pezão nasceu no município de Piraí. Que moral ele tem hoje para tungar o salário dos servidores mais pobres?

         O escândalo só não é mais vexaminoso porque Cabral está atrás das grades e ninguém achava possível. Por isso, o Rio é exemplo de expurgo contra a corrupção. Para todos os estados e partidos, para o Legislativo, o Judiciário e o Executivo. Os Três Poderes continuam a desperdiçar uma fortuna de bilhões em penduricalhos, mordomias, privilégios, salários acima do teto, benefícios vitalícios, auxílio-moradia, transporte… Tudo inadmissível num país que sofre com desemprego, inflação e péssimos serviços públicos. Se for verdade que Dilma Rousseff reivindica cartão-combustível de R$ 3 mil por mês, que país é este?

         O roubo não explica todo o rombo. A má gestão dá indigestão nos estados. Mas acabar com a imunidade e a impunidade é um bom começo. Um bom presságio. Nisso, o Rio de Janeiro aparece, finalmente, como um bom exemplo para o resto do Brasil.

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Category: Opinião

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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