(Ruth de Aquino, colunista da revista Época)
Não é um tríplex, mas o apartamento embargado de Geddel Vieira Lima (que pediu demissão na sexta-feira, dia 25) já desabou em cima do presidente Michel Temer. A política tem dessas coisas, Temer, esse tipo de pressão popular. Não basta saber ajeitar o nó da gravata e falar bem o português. Num país traumatizado pela corrupção, apostar todas as suas fichas numa figura pretérita como Geddel é pedir para ser crucificado neste Black December.
O presidente não podia blindar Geddel antes mesmo de a Comissão de Ética abrir processo. As “ponderações” do ministro da Secretaria de Governo para o então ministro da Cultura Marcelo Calero tinham um peso imoral. O talento de “articulador” do baiano Geddel virou poeira, aquele pó de obra que suja até a alma. Os aliados correram para dar apoio irrestrito a um ministro acusado de tráfico de influência em benefício pessoal. O condenado arranha-céu La Vue, em Salvador, tem as digitais de amigos e parentes de Geddel desde sua concepção. Um espigão em área tombada arranhou Congresso e Planalto – por tibieza do presidente.
Parece que os políticos não entenderam que o país mudou. Eles se matam por um apartamento de luxo com “la vue” total da Baía de Todos-os-Santos? Ao dar o caso por “encerrado”, todos que apoiaram Geddel colocaram seus dedos na tomada. Foi falta de visão, uma irresponsabilidade com um momento em que o Brasil deveria focar na estabilidade econômica e na recuperação do emprego. Com amigos como Geddel, Renan Calheiros e Rodrigo Maia, nenhum presidente precisa de inimigos.
Ao assumir a Presidência há seis meses, após longo e doloroso impeachment de Dilma Rousseff, Temer disse que era “hora de tentar pacificar o país”. Agora, ao nomear Roberto Freire para a Cultura, Temer nem se referiu ao antecessor Calero. Estava amuado. O próprio Temer havia intercedido com Calero em favor de Geddel, que andava “muito irritado” com o embargo de seu apartamento. Na posse de Freire, Temer disse que vai “salvar o Brasil”, “ganhar céu azul e velocidade de cruzeiro”. Não, presidente. O céu está enfarruscado, e sua forma de menosprezar o caso Geddel é mais do mesmo. Só ajuda a inflamar as ruas.
Em setembro, Geddel havia constrangido o governo, ao declarar: “Caixa dois não é crime. Quem se beneficiou deste mecanismo no passado não pode ser punido”. Será que Temer ponderou com Geddel? Depois, a imprensa deu a lista dos salários acima do teto constitucional de R$ 33.763. Olha o Geddel ali, gente! Ele ganha R$ 51.288 por mês, acumulando dois vencimentos. Fora privilégios e benefícios.
O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, decidiu abrir mão de parte do salário para se adequar ao teto. Geddel nem pensou: “Os meus vencimentos estão dentro da lei. A lei é para todos”. Geddel, o grande articulador, não convenceria servidores a abrir mão de vencimentos para ajudar estados falidos. Onde vive Geddel? Nas nuvens, e faz tempo. Você lembra o vídeo Geddel vai às compras, que mostrava, a partir de um helicóptero, as fazendas adquiridas por ele de maneira antiética? As imagens são do ano 2001. Quem divulgou foi o então presidente do Senado, o também baiano Antônio Carlos Magalhães. O que mudou foi só a tecnologia. Naquele tempo, o vídeo era distribuído em fita.
“Vamos trabalhar! O Congresso nos espera”, disse um comovido Geddel com o apoio de seus pares. Rodrigo Maia, presidente da Câmara, foi impiedoso com o ex-ministro Calero: “Ele enlouqueceu (…) O ministro sai atirando para desestabilizar o Brasil”. O presidente do Senado, Renan Calheiros, também saudou a blindagem de Geddel por Temer: “O bom é que isso fique para trás”. Essa dobradinha Rodrigo-Renan é o retrato do Brasil reciclável na política.
Maia quer logo votar na Câmara o projeto de medidas anticorrupção, no qual foi infiltrada uma anistia ao caixa dois eleitoral, que coloca em risco inquéritos passados, presentes e futuros da Lava Jato contra políticos. E o açodado Renan quer logo votar no Senado o projeto contra abuso de autoridade, porque está prestes a virar réu no Supremo por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. O projeto de Renan tem o apoio do PT e de petistas, amedrontados com o que está por vir.
Mesmo com as urgências, e já prevendo os estragos do Furacão Odebrecht, os parlamentares se recusam a trabalhar nas segundas e sextas-feiras. Eta, país. Juntando a isso o fato de que os deputados tentam evitar votação nominal em assuntos explosivos, para se esconder da sociedade… Temos um Congresso dissociado da sociedade.
Calero foi o quinto ministro a deixar o governo Temer. Geddel, o sexto. Dilma chegou a trocar um ministro a cada 22 dias. Agora Temer se aproxima da média de sua antecessora. O caso Geddel pode ajudá-lo a pensar melhor antes de blindar o próximo.