Leandro Narloch, colunista da Folha
Supostos defensores dos pobres, incluindo colunistas aqui da Folha, repetem que a PEC do Teto de Gastos, a reforma da Previdência e todo o ajuste fiscal atendem a interesses da “junta financeira governante” a custo dos direitos dos pobres e dos aposentados.
Só acredita nisso quem está embriagado por ficções de um conflito irreconciliável entre as classes.
Se um brasileiro não suporta rentistas e especuladores, se gostaria de ver o país livre de credores que cobram juros extorsivos, então precisa torcer para que o Estado gaste menos e seja um devedor mais confiável. Não há outro caminho.
A questão se resume em cinco passos:
Nas últimas décadas, uns malucos de Brasília que dizem nos representar arrumaram uma dívida de R$ 3.032.900.000.000 (três tristes trilhões, pra facilitar). Nenhum especulador maldoso os obrigou a isso; eles é que insistiram em contrair o empréstimo.
Como a esquerda costuma dizer, há juros altos nessa dívida. Só neste ano, serão mais de R$ 400 bilhões.
A Previdência é a maior responsável pelo vermelho das contas. Em 2017, o rombo das aposentadorias chegará a R$ 180 bilhões, mais que o orçamento da Saúde e da Educação (R$ 172 bilhões).
A melhor forma de diminuir a dívida é gastando menos do que se arrecada, ou seja, tentar fechar o ano com um superávit. Cortar gastos em casa para no futuro deixar de torrar dinheiro com os juros do cheque especial.
A melhor forma de diminuir os juros é convencendo o mercado financeiro de que somos caras legais; que desta vez, ao contrário das nove vezes em que o país deu calote, os malucos de Brasília não vão aloprar, pois não poderão gastar mais que no ano anterior.
Não é difícil entender esse raciocínio. Até uma pessoa pouco hábil com o pensamento lógico, até uma criança de 7 anos, até Vladimir Safatle conseguiria entender o problema e suas escassas soluções.
As alternativas que a esquerda defende beneficiariam especuladores e prejudicariam os pobres. A “auditoria cidadã da dívida”, uma proposta de rever o pagamento de juros, seria interpretada pelo mercado como uma quebra de contrato –um calote. Só por boas taxas alguém voltaria a emprestar ao Brasil. Para a sorte dos rentistas, os juros futuros explodiriam.
O imposto sobre fortunas dificilmente eliminaria a necessidade do corte de gastos. Costuma ter um impacto forte na fuga de capitais e fraco na arrecadação (por isso foi recentemente reduzido ou eliminado na Áustria, Itália, Dinamarca, Alemanha, Finlândia, Suécia e França, entre outros).
É divertido e tentador imaginar o mundo como um desenho animado em que rentistas sem escrúpulos oprimem os “brasileiros que lutam para não serem espoliados de seus últimos direitos”. Mas, no mundo real, não haverá melhoria da vida dos pobres no Brasil enquanto as contas públicas causarem assombro.