(Da revista Época)
Com os óculos discretos e o rosto invariavelmente fechado, Teori Zavascki expressava a imagem de ministro austero – quase carrancudo de tão ensimesmado. De toga, guardava distância das coisas do mundo. Sem ela, abraçava o que o mundo tinha de melhor: a família, os amigos, as piadas, o Grêmio… Ao contrário de outros colegas da Corte, não era afeito a frases de efeito. Atinha-se ao que estava nos processos e na lei. Não costumava expor suas opiniões. Morando em Brasília, onde é comum encontrar políticos, advogados e procuradores frequentando os mesmos restaurantes, Teori reclamava do isolamento causado pela Lava Jato. Era o preço de ser, ao mesmo tempo, o ministro mais discreto possível para o processo mais visado do país, com os inúmeros interesses que o cercavam. Com ou sem toga, Teori sempre sabia o que era (um ministro do Supremo) e o que precisava preservar (as leis do país).
Uma cena resume a dualidade entre o ministro fechado do Supremo Tribunal Federal e o outro Teori, que curtia amigos, gostava de vinhos, adorava o Grêmio e ria com os memes que lhe eram enviados por WhatsApp. Era um churrasco num sítio, nos arredores de Brasília. Um colega reparou – e comentou – a bermuda larga e o chinelo de dedo, algo raro de ver. “Pois é, mas continuo ministro do Supremo”, brincou Teori. Os colegas são unânimes: Teori não misturava as coisas. Podia conversar por horas a fio. Mas não falava uma palavra sobre os processos – muito menos sobre a Lava Jato. Só nos últimos meses ele abriu uma exceção. Reclamou com amigos, mais de uma vez, que, apesar de o gabinete estar sobrecarregado, ele tinha de ouvir críticas sobre a demora dos processos da operação. “O problema está lá”, dizia a pessoas próximas, apontando para a sede da Procuradoria-Geral da República.
Os dois Teoris farão muita falta. Um, à família e aos amigos. O outro, ao Supremo e ao país. Ambos pereciam nas águas de Paraty às 17h30 da quinta-feira, quando a dor da perda de um amigo e de um colega se espalhava pelo Supremo Tribunal Federal. Seguranças que trabalham na portaria do Anexo II do STF não desgrudavam os olhos da televisão. Esperavam ansiosos por atualizações da notícia que listava o ministro Teori como um dos passageiros de um avião que caíra cerca de duas horas antes no mar, perto de Paraty. Na sala C-319, no 3º andar do prédio onde ficam os gabinetes dos ministros no Supremo, os servidores que trabalham no gabinete ocupado por Teori passaram a tarde ansiosos por atualizações. O primeiro alerta de que as coisas podiam ir mal com o ministro veio por volta das 15h30, de dois juízes que estavam no gabinete. Entre eles Márcio Schiefler, o instrutor da Lava Jato, espécie de braço direito de Teori e responsável pela checagem das delações. Ao verem uma notícia de que um avião havia caído no litoral do Rio de Janeiro, ambos se deram conta de que o trajeto coincidia com o que seria feito pelo ministro naquela tarde. Teori havia embarcado às 13h01 em São Paulo com destino à costa fluminense.
Preocupados, os juízes se dirigiram com pressa à presidência da Corte e de lá ligaram para a família do ministro, depois de falar com a presidente do STF, Cármen Lúcia, por telefone. Todos estavam apreensivos. De Minas Gerais, onde foi visitar o pai, Cármen pediu que os auxiliares de Teori entrassem em contato com o presidente Michel Temer. O Palácio do Planalto então colocou recursos à disposição e pediu empenho de autoridades locais na busca do ministro. Passados alguns minutos das 18 horas, veio a confirmação: Teori estava morto. Do lado de fora do gabinete tocava Concerto italiano, composta pelo alemão Johann Sebastian Bach. Servidores de outros gabinetes chegaram em pequenos grupos à sala ocupada por Teori para prestar homenagens e oferecer apoio aos servidores.
Veja também
O que é preciso investigar no acidente aéreo que matou Teori Zavascki