(Ruth de Aquino, colunista da revista Época)
Obrigada, presidente Michel Temer. O senhor conseguiu dar um sentido indiscutível ao Dia Internacional da Mulher. Seu discurso conseguiu unir as mulheres. Sua fala deu novo alento ao feminismo brasileiro. Foi um alerta: o preconceito mais perigoso é aquele disfarçado pelo elogio canhestro e paternalista. Foi muito mais que uma gafe, Temer, porque é assim que o senhor pensa, é só lembrar como escolheu seu Ministério de homens ao assumir o Poder. Não vamos deixá-lo esquecer tão cedo o que disse no dia 8 de março de 2017.
Temer se comove com nossa dedicação ao país. Somos responsáveis pelos “afazeres domésticos” e pela formação dos filhos porque, “seguramente, quem faz isso não é o homem, é a mulher”. O homem, segundo o presidente, é um zero à esquerda no lar, também como pai. A mulher é importante não só como mãe e dona de casa. “Na economia, a mulher tem grande participação. Ninguém é mais capaz de indicar os desajustes de preço no supermercado do que a mulher. Ninguém é capaz de melhor detectar as flutuações econômicas do que a mulher, pelo orçamento doméstico.”
Que falta total de sintonia com a sociedade no século XXI, Temer. E nem dá para culpar os assessores, que se apressaram a dizer que foi improviso do presidente, um “caco” no discurso preparado. Quebrou tudo com suas mesuras machistas, com sua homenagem sincera às mulheres de avental todo sujo de ovo. Avental sujo? “Tenho convicção do quanto a mulher, pela minha criação, pela Marcela, faz pela casa, pelo lar, pelos filhos.”
Que fique claro. Mulheres não são um blocão que pensa em uníssono. Nem mesmo o 8 de março é unanimidade entre nós. É importante ou uma bobagem? Serve como reflexão, atitude – ou é uma data que “discrimina” a mulher ao colocá-la à parte do mundo? Quando levou bordoadas justas, ao escolher só ministros brancos “por mérito”, Temer prometeu buscar alguém do “mundo feminino”. Uma leitora escreveu que Temer deve ter vindo de Marte. Desconhece o que se passou no planeta Terra nos últimos 100 anos.
Não preciso listar a contribuição da mulher para o progresso do mundo. O preconceito dói, mas pode fortalecer. Todas nós sofremos em algum momento o preconceito, velado ou escancarado. Bem pior para as negras e mulatas (“afro-brasileira”, para mim, é termo racista). O filme Hidden figures, traduzido toscamente para Estrelas além do tempo, mostra como matemáticas e engenheiras negras ajudaram com seus cálculos e brilho a colocar um americano na Lua. Senti emoção e raiva diante do preconceito duplo, de gênero e cor. E não pense que é coisa do passado. Uma bolsista negra de 17 anos foi hostilizada na semana passada no campus da Fundação Getulio Vargas de São Paulo. Um homem branco gritou: “Negrinha aqui, não!”.
Mulheres não pensam igual. Elas convocaram greve internacional no 8 de março. Greve de trabalho, amor e sexo? Ah não, digo eu, tô fora. Ah sim, disseram e marcharam muitas outras. Não existe certo ou errado. Recebi mensagens (de homens) no celular com a imagem de Maria, Nossa Senhora, “modelo de mulher perfeita”. Obrigada, mas não. “Ni santas ni putas”, dizem as espanholas, e eu apoio.
Cotas na política – será? Fiu-fiu não significa assédio para todas. Rosas ou gestos cavalheiros, como abrir a porta, despertam reações opostas. Há sempre controvérsias e assim deve ser. Mulher discute tudo, de fidelidade a turbante. De aborto a depilação. De parto normal a moda. De política a culinária. Com veemência. Emma Watson pode ou não mostrar os (lindos) seios e continuar feminista? É muita patrulha, de mulher para mulher. Existe muita mulher machista, contra a autonomia feminina. E contra a autonomia masculina.
O gênero não determina a ideologia ou o voto. Não se vota com a…, não é? Votamos com nossa convicção, educação, informação e esperança. Em tempos modernos de Theresa May, Marine Le Pen, Cristina Kirchner e Dilma Rousseff, está claro que mulher no Poder não é garantia de nada. Nem de economia forte e preços estáveis. Ou de mais creches, mais estrutura para a chefe de família e mãe solteira, mais empregos qualificados e menos desigualdade em casa e no trabalho. Ou menos autoritarismo com suas equipes. Não é tampouco garantia de discursos que façam sentido.
Temer conseguiu nos unir contra ele. Na indignação e no humor nas redes sociais. Carla Gullo: “Meninas, já foram conferir os preços dos supermercados hoje?”. Vicky Fantin: “Tô me arrumando. Vou fazer escova, maquiagem, passar perfume, colocar um vestidinho belo, recatado e do lar, pegar minha prancheta, encontrar as comadres e ir. Tá achando que é fácil contribuir pro andamento do mundo?”. Adriana Souza e Silva: “Meu marido não liberou o cartão hoje e nem me deixou sair de casa”. Não está fácil contribuir, Temer, mas a gente chega lá. Apesar de você.