(Ruth de Aquino, colunista da revista Época)
A meta fiscal do governo Temer, um déficit já bilionário, deve ser arrombada em breve. A irresponsabilidade com os gastos públicos continua, junto com o perdão de dívidas, a compra de votos e a farra de emendas. Essa parte da crise é matemática e não tem Henrique Meirelles que dê jeito. A conta das despesas deveria ser de subtração. Virou multiplicação – e deve piorar.
Seremos convocados mais uma vez a ajudar o pobre governo e as nobres Excelências a reduzir o vexame do descompromisso com o país. Extorsão seria uma palavra forte demais para definir possíveis aumentos de impostos? Crime seria uma palavra inadequada para qualificar o que pagamos para sustentar um Congresso fisiologista e uma máquina pública obesa, inchada de cargos e mordomias, arrotando torresmos com cachaça?
O rombo da meta moral é o outro lado da mesma moeda. E esse rombo não é matemático. O déficit dos políticos com a sociedade virou saco sem fundo após as duas últimas votações, da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e do plenário da Câmara Federal. Nem falo do espetáculo deprimente de dentadas em pixulecos, dinheiro falso jogado para o alto, lutas corporais e até tatuagem com nome do presidente no braço do deputado do Pará Wladimir Costa, acusado de desviar salários com funcionários fantasmas. “Doeu um pouco, mas eu me lembrava do Temer, passava a dor. Cada um com suas paixões.” Só aqui se vê uma cafonice dessas.
O desfecho da votação provocou uma ressaca histórica. O Brasil não esquecerá que a Câmara, com ajuda ostensiva ou omissa de partidos da situação e da oposição, barrou a investigação da denúncia de corrupção contra Michel Temer. A população sabe direitinho que os deputados não tinham a missão de absolver ou condenar o presidente. Eles simplesmente impediram o curso da Justiça, por medo da sentença do Supremo Tribunal Federal e também para salvar a própria pele. O voto foi para abafar o movimento contra a corrupção e dar esperança a bandidos presos.
Ignorou-se assim o maior escândalo já surgido contra um presidente da República no exercício do cargo. Um dossiê envolvendo de gravações a documentos, de delações a malas de dinheiro entregues ao homem de confiança, de encontros clandestinos no Palácio a conselhos nada republicanos. Tudo arquivado até o dia de São Nunca, porque só quem acredita em história da carochinha pensa que, ao sair da Presidência e perder o foro privilegiado, Temer acertará suas contas com a Justiça.
Ao referendar que as volumosas provas contra Temer não passariam de “peça de ficção”, a Câmara mostrou que de “representativa” não tem nada. Temer é rejeitado por mais de 90% de eleitores. O Brasil queria muito que Temer fosse investigado – e não só por não gostar dele. Era por uma questão de isonomia moral. De autoestima. De confiança na Lava Jato. Defender investigação contra quem, se um suspeito de crime de lesa-pátria se safa abrindo o cofre público, com seus malabarismos na língua e nos dedos? O que vale para um deveria valer para todos.
“Não somos salafrários”, afirmou o deputado federal Julio Lopes, do PP do Rio de Janeiro. “Somos Excelências.” Lopes, secretário estadual de Transportes no governo de Sérgio Cabral, foi acusado de ter recebido R$ 4 milhões em propina de duas empreiteiras, a Odebrecht e a Queiroz Galvão. Julio figurava na lista de propinas como “Pavão”, “Bonitinho” e “Velhos”. O Rio lembra como Lopes, em janeiro de 2014, dava gargalhadas com os engenheiros da SuperVia quando um trem descarrilou na Zona Norte, provocando caos na vida dos passageiros. Lopes está indignado com a “criminalização da política” e é a favor de inocentar todos, “seja Lula, seja Temer”.
Em show de hipocrisia, a Câmara arrombou a meta moral do Brasil. Faltam bambu e flechas e assim o “quadrilhão” do PMDB se firma no poder até o fim de 2018. Com a ajuda inestimável de Aécio Neves, como provável coveiro do PSDB. E o silêncio cúmplice de Eduardo Cunha, que não tem nenhum interesse em abrir a boca. Cunha e os outros presos só aguardam a poeira baixar e o vento mudar, tanto na Procuradoria quanto no STF, onde Gilmar Mendes fala cada vez mais alto: “O STF também errou. O Supremo foi muito concessivo, contribuiu com essa bagunça completa. Ficou a reboque das loucuras do procurador (Rodrigo Janot)”.
Vamos ver quem conseguirá resgatar a meta moral do Brasil. A presidente do STF, Cármen Lúcia, já se disse contra aumento salarial de 16% para os juízes num país em crise. No Congresso, não há possibilidade de reforma mental de nossos parlamentares atuais. E ainda falam em parlamentarismo.