(André Singer, colunista da Folha)
Apesar das atribulações decorrentes da transição no Ministério Público, com a rápida queda na sexta de um dos membros da nova equipe de Raquel Dodge, a segunda denúncia de Rodrigo Janot contra o atual ocupante do Planalto merece leitura atenta. Mais ampla que a primeira, a peça agora enviada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) à Câmara retroage ao início dos anos 2000, quando Temer foi eleito presidente do PMDB, para caracterizar a formação do agrupamento que acabou por ascender ao poder máximo da República.
O relato do ex-procurador-geral dá conta de uma sistemática ocupação de espaços –tanto no Legislativo quanto no Executivo– com vistas à obtenção de dinheiro. Comandada por Michel Temer, a tropa formada por Eduardo Cunha, Henrique Alves, Geddel Vieira Lima, Eliseu Padilha e Wellington Moreira Franco teria agido sempre em conjunto, apesar de por muito tempo parecer que Cunha fosse um ponto fora da curva.
A narrativa, contudo, parece não comover a maioria dos parlamentares. Tal como na primeira ocasião, o presidente da República caminha impávido para a absolvição no plenário da Casa. Em 2 de agosto passado, obteve facilmente os sufrágios suficientes para bloquear as acusações oriundas do gravador-geral da República. Não apenas conseguiu o mínimo de 171 deputados contra a continuidade do processo como colocou 263 parlamentares a seu favor (contra 227). Mostrou, portanto, que dispõe de maioria (simples, é verdade) para prosseguir o desmonte do Estado.
De que maneira explicar tantos detentores de representação pública dispostos a arriscar a reeleição para sustentar um governo com 5% de popularidade? Um especialista conhecedor da política real me escreve dizendo que não arriscam nada. Nos rincões do país, o eleitor não sabe quem é o candidato a deputado no qual votará em 2018. Receberá do prefeito um número, digitará na urna, apertará o confirma e acabou. Está reeleito mais um dos que sustentou o quadrilhão.
Acrescento que os rincões são mais importantes na política do Brasil do que se costuma pensar. De acordo com o IBGE, 43% da população vive espalhada em 5.260 municípios com até 100 mil habitantes. Em particular, 16% se encontra em quase 4.000 municípios de apenas 20 mil moradores. E, além das características próprias do território continental, o cientista político Jairo Nicolau (“Representantes de quem?”, 2017), assinala que “a história das regras de distribuição de cadeiras no Brasil é marcada, desde a Constituição de 1891, com normas que favoreceram os Estados menos populosos”.
Talvez não seja a missa inteira, mas ajuda a entender parte do mistério da salvação.
Comentário do programa – Apesar de partir de um petista (André Singer foi secretário de imprensa de Lula), o artigo espelha a verdade. O deputado pode fazer toda qualidade de besteira em Brasília, o analfabeto político que vota nele aqui “não está nem aí”. Vai continuar votando nele. E se você anular o seu voto, vai ajudá-lo a ganhar a eleição. Esta lição, Padre Valdomiro aprendeu com um bêbado. “Se o senhor que sabe votar deixar de votar, o analfabeto vai continuar a votar e a eleger os piores candidatos”. Monsenhor Valdomiro ainda está aí para contar a história. Durante a semana, no programa de Jamerson Ferreira, na Arapuan FM, ouvimos várias pessoas dizendo que mesmo ele sendo ladrão votariam em Lula. Esquecem que quem vota em ladrão concorda com a sua desonestidade e é capaz de fazer tudo o que ele faz. (LGLM)