O país das Rocinhas

By | 01/10/2017 2:33 pm

 

(Jânio de Freitas, colunista da Folha)

 

O espanto generalizado com a guerra na Rocinha só pode vir do vício de espantar-se com os atos todos da violência urbana, não importa se maiores ou minúsculos, se astuciosos ou vulgares. Rocinha não é mais do que uma celebridade (a palavra-símbolo do jornalismo deslumbrado) entre milhares de assemelhadas pelo país afora.

 

Na Rocinha há fuzis modernos, sim. Em Brasília, os equivalentes aos criminosos da Rocinha têm a mais abrangente e terrível das armas: o poder –de governar em benefício de grupos, de legislar em causa própria e dos subornadores, de queimar uns poucos comparsas e preservar o grosso da bandidagem engravatada.

 

Se é assim no cimo do país, onde também se travam lutas por mais domínio, o que esperar dos que têm a mesma índole sem, no entanto, receberem da vida as mesmas oportunidades? Assalto por assalto, dos cofres públicos é roubado muito mais, nem se sabe quantas centenas de bilhões, do que o dinheirinho de passantes, o troco das caixas de lojas, os celulares, relógios e carros.

 

Há as drogas. Todas as Rocinhas são dadas como entrepostos de droga. São vendedoras. Inclusive para os consumidores armados de poder e seus sócios no elitismo. Nas Rocinhas, vem em papelotes. Nas festas da fortuna, a droga vem em bandejinhas de prata. Elegância e poder não costumam andar juntos, mas às vezes coincidem.

 

O tráfico proveniente das Rocinhas é uma desgraça. Há, porém, um tráfico mais devastador. O tráfico de drogas destrói indivíduos, o tráfico de influência nos gabinetes e salões do poder arrasa multidões, mais de 200 milhões de seres roubados em dinheiro e em direitos pelos negócios do suborno e da influência.

 

Os delinquentes de todas as Rocinhas matam. Muito. E o fazem, é verdade, com indiferença e perversidade. Pensar que a airosa Fortaleza é a quinta entre as dez cidades mais violentas das Américas, sendo o Rio a décima e última, parece estatística de economista.

 

O homicídio originário das Rocinhas cresce e se espalha, incontrolável. Em paralelo ao homicídio que não leva esse nome, para proteger seus culpados. E que assassina com as armas letais que são a ausência de remédios para transplantados, HIV, diabéticos, tuberculosos, cardíacos, e tantos mais, por “falta de verba” que ricaços no poder cortaram.

 

]Quando não é a morte assim, é a tortura pela espera de leito hospitalar, pelos meses à espera de um teste de câncer, pelos meses à espera da cirurgia. Pela espera impiedosa da morte. Decretada nas altitudes luxuosas de Brasília, nas roubalheiras cabralinas não só fluminenses, e muitas vezes autorizadas pela maioria de travestis do Congresso –bandidos passando-se por representantes do povo. Os homicídios dos delinquentes das Rocinhas em geral são muito menos numerosos.

 

A insegurança urbana é indignante e injusta. Até filas de emprego são assaltadas, bandidos pobres roubando pobres trabalhadores. Mas a delinquência que sai das Rocinhas, e transtorna as suas cidades, generaliza espantos e horrores. Uma caverna com R$ 51 milhões tomados pela delinquência armada de poder político, ah, essa excita o bom humor. E a criminalidade das Rocinhas não é subproduto da delinquência engravatada, indiferente às suas vítimas tal como a delinquência urbana? Ambas tão comuns, tão antigas, consanguíneas, diferentes apenas na extensão em que infelicitam o presente e o futuro país.

Comentário

Category: Opinião

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *