(Leonardo Sakamoto, 24/12/2017 21:39, no UOL)
O ano de 2017 foi difícil para muita gente. Com a aprovação da Lei da Terceirização Ampla e da Reforma Trabalhista, o governo federal e o Congresso Nacional reduziram a proteção aos trabalhadores sob a justificativa de garantir crescimento econômico. Enquanto isso, agiram para abafar qualquer tentativa de taxar dividendos recebidos de grandes empresas, cobrar impostos sobre grandes fortunas e grandes heranças e aumentar o imposto de renda dos ricos. Com isso, a conta da crise ficou nas costas dos mais pobres.
Isso sem contar os efeitos da redução de investimentos públicos causados pela aprovação da PEC do Teto dos Gastos, no ano passado, que começaram a ser sentidos por quem depende do Estado.
Daí, quando o trabalhador e a trabalhadora pensavam que poderiam desfrutar de algum descanso, eis que surge Michel Temer, em cadeia de rádio e TV, empurrando novamente a aprovação da impopular Reforma da Previdência.
”Não é uma questão ideológica ou partidária, é uma questão do futuro do país e para garantir que os aposentados de hoje e os de amanhã possam receber suas pensões”, afirmou.
É deplorável quando políticos usam da chantagem para tentar convencer a sociedade de algo ao invés de convocarem um debate público honesto a respeito do tema. Desde o começo, o governo Temer tem usado desse expediente para passar à força uma polêmica Reforma da Previdência que não estava em nenhum programa eleito pelo voto popular e que é rechaçada pela maioria da população, de acordo com pesquisas de opinião.
De campanhas pagas pelo PMDB com imagens de cidades destruídas, passando por declarações da cúpula de governo de que as próximas gerações vão ranger os dentes e que não haverá recursos para as pensões ou de aliados afirmando que o país mergulhará num inferno sombrio de dor. O esgarçamento institucional promovido pelo processo de impeachment fez com que o Brasil trocasse o diálogo pela pura ameaça como instrumento para governar.
Como já disse aqui, por trás do discurso de combater privilégios de quem se aposenta com salários gordos, o governo tenta passar de forma escondida mudanças que reduzem o valor da pensão de quem já se aposenta por idade no país, ou seja os mais pobres. Ou que dificultam a aposentadoria especial a trabalhadores rurais da economia familiar, apesar de simplesmente negar que isso vá acontecer – como se não soubéssemos ler as contradições presente nas mudanças previstas no artigo 201 com o que está no artigo 195 da Constituição Federal.
Espero que a Previdência possa ser tratada sem pressa, mas como parte de um projeto de país para os próximos anos. E isso só é possível dentro de eleições. À população deve ser permitida uma discussão ampla sobre o que significa mudar ou manter o sistema de aposentadorias, ouvindo argumentos pró e a favor em campanhas e debates. E votar na ideia que melhor lhe aprouver, sabendo dos impactos negativos dessa escolha.
”Tenho plena convicção de que os nossos parlamentares darão o seu voto e o seu aval para que isso também aconteça aqui. Tenho certeza que eles não faltarão ao Brasil”, disse Temer nesta noite.
”Darão” não é bem o verbo, porque esses votos não vão sair de graça. Para nós.
Ao longo destes últimos meses, Temer ofereceu jantares para deputados de sua base aliada. O objetivo foi buscar formas de convencer 308 deputados a engolirem a Reforma da Previdência a poucos meses da abertura do calendário eleitoral. Ou seja, da época em que muitos políticos lembram-se da população.
No cardápio da compra de votos, poucas emendas e entrega de cargos, uma vez que Temer gastou a maioria desses itens para salvar seu pescoço na rejeição às duas denúncias criminais movidas contra ele pela Procuradoria-Geral da República. Mas sobra apoio para a aprovação de medidas executivas e projetos de leis que beneficiem os parlamentares e seus patrocinadores. Ou os perdões bilionários de multas e juros de impostos aos grandes produtores rurais e por grandes empresários, seja através de mudanças na cobrança patronal do fundo de aposentadoria rural ou pela aprovação de um novo refinanciamento de dívidas com o poder público.
Neste Natal, enquanto milhões de famílias se reúnem em torno de suas mesas, Temer invadiu os lares para vender a ideia da Reforma da Previdência – cuja aprovação lhe garantirá apoio do poder econômico para a manutenção de seu cargo, sem sobressaltos, até janeiro de 2019. O que adiará, até lá, o seu processo no âmbito da Lava Jato – operação não citada em seu discurso.
Não ouvi muitas panelas batendo durante o discurso de Temer nesta noite de domingo (24). Como já escrevi outra vez, não acredito que estejam cozinhando seu próprio remorso, então devem voltado à sua função original.
Independentemente se você era contra ou a favor do impeachment ou fazia parte da imensa maioria que não tomou partido e assistiu a tudo bestializado pela TV, deve estar agora assando sua insatisfação temperada com desalento, impotência, desgosto e cinismo. Essa panela de pressão pode não estourar em manifestações com milhões nas ruas, mas tem tudo para ser bomba que vai explodir invariavelmente em algum momento, talvez nas eleições presidenciais do ano que vem, ferindo de morte a democracia.
”Nesta noite de Natal, ao lado da sua família, você tenha toda certeza de que o Brasil que queremos e estamos construindo é o Brasil que abraça e cuida dos seus filhos”, disse Temer ao final de seu pronunciamento.
Não precisamos de um líder populista que abrace e cuide de nossos filhos. Precisamos de um país que garanta que todas as pessoas, das mais pobres às mais ricas, tenham oportunidades de construir sua vida, de forma consciente e saudável, com os mais vulneráveis e os excluídos recebendo mais apoio que os mais ricos. O povo não quer abraço, quer poder decidir sobre sua própria vida.
”O sentimento agora deve ser o de esperança, o de otimismo”, também falou ele.
Discordo. É de azia. E a culpa não é da farofa, mas daquilo que passa na TV.