Melhor atendimento e menos faltas são alguns dos motivos de preferência por mais velhos
(Érica FragaAna Estela de Sousa Pinto, na Folha)
A ex-secretária Ana Helena Sonoda, 60, já estava convencida de que sua idade era um empecilho para conseguir trabalho quando descobriu um anúncio de vaga cujo principal requisito era ter mais de 50 anos.
“Fiquei incrédula. Achava impossível que estivessem mesmo valorizando mão de obra da minha idade.”
Ela acabou conseguindo uma das 40 posições de auxiliar de aeroporto que a Gol abriu como parte de um programa de recrutamento só para profissionais mais velhos.
Embora tenha causado surpresa em Ana Helena —que durante um ano de buscas por emprego chegou a ouvir que sua experiência e idade eram um problema—, a iniciativa da companhia aérea é parte de uma tendência incipiente no Brasil.
Além da Gol, a consultoria PwC, a seguradora Tokio Marine, o grupo DPSP (que controla as drogarias Pacheco e São Paulo) e a prestadora de serviços Telehelp são exemplos de empresas que começaram programas para a contratação exclusiva de profissionais com mais de 50 anos.
Essas iniciativas têm em comum tanto o foco em uma faixa etária mais avançada quanto o fato de serem muito recentes. Todas foram lançadas em 2017 e devem marcar o início de uma mudança de mentalidade das empresas em relação aos maduros.
Em 2013, menos de 4 em cada 10 empresas entrevistadas em um levantamento da própria PwC em parceria com a FGV-Eaesp achavam que a contratação de profissionais mais velhos era alternativa à escassez de talentos no mercado de trabalho brasileiro.
Especialistas afirmam que, na esteira do envelhecimento da população, essa visão começa a mudar.
“É um processo lento, porque a cultura brasileira valoriza muito os jovens, mas já começou”, diz Mórris Litvak, presidente-executivo da MaturiJobs, negócio de impacto social que faz a ponte entre profissionais maduros e empresas.
Os efeitos da transformação demográfica que fará com que em menos de uma década o Brasil deixe de ser um país predominantemente jovem já despontam no mercado de trabalho.
Segundo pesquisa do Datafolha que mapeou as características dos idosos em todo o país, a fatia de brasileiros com 60 anos ou mais empregados ou em busca de vaga passou de 20% para 26% do total entre 2007 e 2017.
No mercado formal, a parcela de profissionais de 50 a 64 anos saltou de 10,5% para 16,5% do total, segundo a Rais (Relação Anual de Informações Sociais). No mesmo período, a fatia que mais encolheu foi a de jovens de 18 a 24 anos, de 19% para 13,8%.
NOVO OLHAR
Nos próximos anos, essas transformações se acentuarão. Com a queda da taxa de natalidade e a continuação no aumento da expectativa de vida, o percentual de crianças e jovens encolherá e a parcela de idosos crescerá.
“O aumento da idade média da população e o desafio de encontrar talentos num mercado cada vez mais competitivo começam a fazer empresas, como nós, a mudarem seu olhar em relação aos profissionais maduros”, diz Érika Braga, diretora de Recursos Humanos da PwC.
A consultoria procurou a MaturiJobs no ano passado em busca de parceria. Os seis contratados no programa-piloto para profissionais com mais de 50 anos na área tributária da PwC começaram há um mês. Se der certo, a ideia é expandir o projeto.
Outras companhias que fizeram programas similares apontam saldo positivo:
“É um profissional que, pela experiência, não se irrita quando precisa responder várias vezes à mesma pergunta. Compreende melhor as necessidades dos clientes e tem disposição mais cultivada para atendê-las”, diz Cristiane Lamonica, gerente de Recursos Humanos do Grupo DPSP.
Ao perceber que a presença de profissionais mais maduros melhorava a qualidade do atendimento, a empresa foi atrás de farmacêuticos com esse perfil cadastrados no site da Maturijobs. Dos 90 encontrados, 12 foram aprovados no processo seletivo.
TRATO E ASSIDUIDADE
O reconhecimento de que os mais velhos têm habilidades que os diferenciam dos demais —como melhor trato com clientes e menores taxas de absenteísmo e rotatividade— tem contribuído para a contratação da mão de obra com mais de 50 anos.
“A Gol foi fundada em 2001 com uma imagem de empresa jovem e foco na contratação de jovens. Mas, com o tempo, percebemos que os mais velhos têm muito mais empatia. O jovem é acelerado e oferece um atendimento menos personalizado”, diz Jean Carlo Nogueira, diretor de Recursos Humanos da Gol.
Esse ponto também é enfatizado por Eliane Davanco, gerente de Operações da Telehelp, que presta assistência por telefone a idosos que moram sozinhos: “Tivemos muita melhoria em qualidade e empatia com o cliente”.
A população concorda com o diagnóstico das empresas. A pesquisa Datafolha, que serve de base para a série de reportagens Ao Seu Tempo, indica que cerca de 80% dos brasileiros acham os idosos mais compreensivos, atenciosos e educados que os jovens.
Os mais velhos ganham também em responsabilidade e dedicação para, respectivamente, 90% e 75% dos entrevistados. Essas percepções talvez expliquem por que quase metade da população considera os idosos mais produtivos do que os jovens.
RESISTÊNCIA
No entanto, há outras características da faixa etária mais avançada que impõem cuidado no planejamento de iniciativas para aumentar sua participação nas equipes:
“Eles não executam sem perguntar por que e aí decidem se querem fazer aquilo ou não. É um posicionamento diferente do mais jovem, que se submete mais ao protocolo que já está estabelecido”, diz Davanço.
Na Telehelp, o repertório amplo dos idosos fez com que as ligações semanais que costumam durar dois minutos atingissem o dobro ou até o quíntuplo do tempo.
A menor familiaridade com tecnologia também é ressaltada: “Nossos sistemas têm muitos passos, muitas exigências técnicas a cumprir, informações que precisamos prestar à agência reguladora”, diz Bianca Meneguim, gerente de Comunicação Interna do DPSP.
Essas questões fizeram com que alguns profissionais contratados nos programas-piloto da Telehelp e da DPSP acabassem desligados. Mas as duas empresas dizem que, apesar da necessidade de ajustes, pretendem manter seus programas.
As empresas também afirmam que têm identificado muitos candidatos com potencial para cargos de gestão.
“Tivemos candidatos que foram executivos, têm renda alta, mas dizem que querem voltar ao mercado para se sentir ativos”, diz Nogueira da Gol.
Segundo ele, esses profissionais têm sido direcionados para outras vagas em áreas como controladoria e financeira. Meneguim e Lamonica, da DPSP, também ressaltam que os maiores de 50 anos são bons candidatos a cargos de gestão.
VIDA DURA
Apesar dos sinais mais favoráveis à inserção da mão de obra madura no mercado de trabalho, encontrar emprego acima dos 50 anos é um desafio.
“Ouvi muitos nãos. Até chegava às entrevistas, mas me diziam que a vaga demandava gente mais jovem ou menos experiente”, diz Ana Helena Sonoda, hoje na Gol, que tem faculdade de gestão em negócios e é fluente em inglês.
O número ainda relativamente baixo de posições para profissionais mais velhos tem levado muitos a buscar o caminho do negócio próprio.
É entre as faixas etárias mais maduras que o empreendedorismo mais cresce no país.
De acordo com dados do IBGE, o número de empreendedores brasileiros de 50 a 59 anos saltou de 3,5 milhões em 2002 para 5,5 milhões em 2014. O aumento de 57% foi o maior entre as sete faixas etárias pesquisadas.
Colado em segundo lugar veio o crescimento de 56% entre as pessoas de 60 anos ou mais.
Dados mais recentes do Sebrae indicam que essa tendência continua. Em 2012, a fatia de novos empreendedores com mais de 55 anos era 7% do total. Em 2016, essa parcela atingiu 10%, maior nível da série.
Segundo Mórris Litvak, da MaturiJobs, a busca pelo negócio próprio entre os mais maduros foi alavancada pela recessão dos anos recentes.
“Com a recessão muitos profissionais maduros foram desligados. Outros que estavam fora da força de trabalho precisaram voltar a buscar uma ocupação para complementar a renda familiar”, diz.
Embora esse aumento de busca tenha coincidido com o lançamento de programas para a contratação de profissionais mais velhos em algumas empresas, a escassez de posições para essa faixa etária ainda é grande.
Os números da MaturiJobs, que foi aberta no auge da crise em 2015, são evidência disso.
Mais de 600 empresas publicaram vagas no site do negócio de impacto social, o que resultou em pelo menos 300 contratações diretas. Mas um número muito maior de brasileiros acima de 50 anos ——cerca de 60 mil se cadastrou na MaturiJobs no mesmo período.
Ao perceber esse descasamento, Litvak e sua equipe resolveram abrir outras frentes de atuação, como eventos para promover trocas de contatos (networking) entre os profissionais maduros.
Tem ocorrido reuniões em São Paulo, Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, normalmente com lotação esgotada.
Durante os encontros, em que é cobrada uma taxa de participação de R$ 20, os profissionais ouvem palestras sobre empreendedorismo e depois são divididos em grupos para conversar, trocar ideias e experiências segundo suas afinidades.