Sem polícia, 48 presídios desafiam facções e indústria carcerária no país

By | 28/04/2018 10:17 pm

(Eliane Trindade, editora do Prêmio Empreendedor Social. Aqui, mostra personagens e fatos dos dois extremos da pirâmide social. Matéria da Folha)

Em expansão, modelo prisional alternativo das Apacs deve chegar a cem unidades no Brasil até 2020

É de uma casa simples no centro de Itaúna (MG), a 83 km de Belo Horizonte, que Valdeci Ferreira, presidente da Fbac (Fraternidade Brasileira de assistência aos Condenados), planeja a expansão do modelo de prisões humanizadas que desafia as facções criminosas e a indústria do preso.

“Nossa meta é chegar a cem presídios sem polícia e armas no país até 2020”, afirma sobre as Apacs (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados).

Elas já administram 48 centros de reintegração social, onde presos se ocupam de disciplina, limpeza e comida, a um custo dois terços menor que em presídios comuns.

Com um limite de 200 internos por unidade e índices de reincidência criminal de 20% –contra 85% no sistema prisional tradicional–, as Apacs vêm se mostrando uma alternativa em meio ao caos de penitenciárias superlotadas e dominadas por facções.

É o caso do Maranhão, após uma série de rebeliões e massacre de Pedrinhas, penitenciária de segurança máxima da capital entre 2013 e 2016. Seis Apacs já estão em funcionamento no estado e outras duas devem ser abertas em breve.

“A primeira Apac em uma capital foi justamente a de São Luís, que nasceu dentro daquele contexto grave com decapitações de presos em Pedrinhas”, relata o presidente da Fbac.

O espaço oferecido pelo governo do Maranhão para o novo modelo prisional ficou inicialmente às moscas. “Tínhamos os voluntários, apoio da comunidade, mas não clientela, pois Pedrinhas e outros presídios do estado estavam dominados pelas facções”, explica Ferreira. “Foi feito um pacto de que os presos que optassem pela Apac estavam autorizados a romper com sua facção.”

Só assim foram ocupadas as 40 vagas iniciais. Hoje, a Apac de São Luís abriga 80 presos, segundo a Fbac..

O governador Flávio Dino (PCdoB) levou para a secretaria de Administração Penitenciária do Maranhão, Murilo Andrade de Oliveira, que acompanhou a evolução das Apacs em Minas Gerais.

Desde 2001, o movimento de presídios humanizados virou política pública do Tribunal de Justiça do estado, a partir da experiência pioneira em três comarcas: Itaúna, Nova Lima e Sete Lagoas.

O modelo ganhou impulso em 2004 quando o governo de Minas também adere, após a alteração da Lei estadual de Execução Penal, que passa permitir convênio para a manutenção e construção de Apacs.

Em 2008, já havia 18 unidades em funcionamento com 800 presos. Hoje são 38 e 3.500 vagas, 3.035 delas ocupadas.

Cerca de 10% dos presos condenados no estado cumprem pena em unidades, segundo cálculos do juiz Luiz Carlos Rezende e Santos, designado pelo TJMG para assuntos relativos às Apacs. “Com o respaldo do tribunal, juízes foram acreditando na metodologia e colocaram a própria credibilidade para encampar a ideia e convencer a comunidade.”

OUTRA LÓGICA

Um preso na Apac custa em média R$ 1.000, por mês, contra R$ 3.500 no sistema comum. “Não se compra refeição. Não se contrata empresa. É outra lógica, a da responsabilidade compartilhada”, compara o juiz.

Rezende cita o exemplo de quando esteve à frente da Vara de Execução Penal em Lagoa da Prata (MG). “Eu tinha uma Apac com 150 presos e quatro plantonistas e uma cadeia pública com 27 agentes penitenciários”.

A Secretaria de Estado de Administração Prisional de MG transferiu, em 2017, R$ 43 milhões para manutenção/custeio de 32 unidades masculinas e seis femininas.

No estado, funciona ainda um segundo modelo alternativo, o de PPP, no Complexo Penal de Parceira Público-Privada, em Ribeirão das Neves, na região metropolitana de BH.

São três unidades, inauguradas entre 2013 e 2014, que têm hoje 2.164 presos, ao custo de R$ 126,85 vaga/dia, cerca de R$ 8,2 milhões por mês, R$ 98 milhões/ano. Cabe ao gestor privado construir as unidades, operá-las por um prazo de 30 anos e cumprir metas de desempenho, entre elas impedir fugas e rebeliões.

“O resultado hoje é que Minas conta com prisões comuns, as Apacs e as PPPs, três modelos diferentes, cada um com seus pontos positivos e negativos”, pontua Ferreira.

LEI NACIONAL

Para expandir o modelo das Apacs, baseado em 12 pilares, entre eles espiritualidade e fortalecer laços familiares, a Fbac aposta na força do exemplo mineiro.

Já foram aprovadas legislação semelhante à de Minas em Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul, Rondônia, Maranhão e Amapá.

O ex-governador de Minas e hoje senador, Antonio Anastasia (PSDB-MG), apresentou projeto de lei para dar amplitude nacional ao modelo Apac.

Enquanto não é aprovada, a unidade de Macaú, no Rio Grande do Norte, por exemplo, funciona com doações da comunidade. “Lá nós tivemos uma ação de inconstitucionalidade, dizendo que não podíamos celebrar convênio com o estado porque a tarefa de custodiar presos no Brasil é do Estado”, explica Ferreira. “Em Minas, conseguimos romper isso pela primeira vez.”

O modelo de presídios sem polícia e armas foi apresentado como alternativa também nas negociações do acordo de paz entre governo e guerrilha na Colômbia. O presidente da Fbac, que também dissemina o método pelo no mundo, viajou na semana passada para Medellín.

Para promover um crescimento sustentável sem desvirtuar a metodologia, a Fbac, que venceu o Prêmio Empreendedor Social 2017, uma parceria da Folha com a Fundação Schwab, desenha um plano estratégico para a entidade. “É preciso um novo modelo de governança e gestão para conseguirmos um salto de escala maior”, diz Ferreira.

Um crescimento que esbarra em desafios, como a cultura de encarceramento em massa e a crença de parcela da população de que bandido bom é bandido morto.

Ferreira chama a atenção para o fato de o método Apac ter 45 anos e ter um número ainda tão reduzido de recuperandos em um universo de mais de 726 mil presos no Brasil, a terceira maior população carcerária do mundo.

“Estamos nadando contra a correnteza em um sistema falido no Brasil e no mundo. Mas a indústria do preso cresce mais que a automobilística, a farmacêutica e o agronegócio. São muitas corporações, instituições e pessoas que vivem às custas da miséria dos encarcerados.”

Para mudar esta lógica e envolver governo, comunidade e iniciativa privada, as Apacs contam com indicadores e testemunhos fortes.

Neste processo de sensibilização, a Fbac vem colhendo apoios importantes, como o do Movimento das Mulheres do Brasil, capitaneado por Heloísa Helena Trajano. A Apac feminina de Florianópolis, a ser inaugurada nas próximas semanas, conta com a parceria do grupo que agrega lideranças femininas de diversos segmentos.

Outro desafio é mudar a mentalidade de autoridades para o fato de que a justiça não se realiza tão somente com a condenação. Depois da sentença judicial, Ferreira defende uma terapêutica penal que permita àqueles que um dia feriram a sociedade reciclar valores e mentalidades.

“O nosso método leva à responsabilização do dano causado às vítimas e ao mesmo tempo fazer o recuperando se dar conta de que todo homem é maior do que seu crime.”

Comentário

Category: Nacionais

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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