Decisão do STF sobre foro deixa lista infindável de dúvidas

By | 05/05/2018 11:56 pm

 

(Eloísa Machado de Almeida é professora e coordenadora do Supremo em Pauta FGV Direito SP)

Tantas incertezas indicam que a nova interpretação dada pelo Supremo estará sob questionamento constante

O Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, alterou a interpretação dada ao foro por prerrogativa de função, impondo limitações que não derivam diretamente da Constituição. A primeira delas restringe o foro por um critério temporal, definindo que apenas crimes ocorridos durante o mandato exigem foro especial; a segunda impõe um critério material, exigindo que a prática do crime tenha se dado em razão da função pública. O tribunal estabeleceu também que findo o mandato, encerra-se a prerrogativa de foro, com uma exceção dada apenas àqueles casos que já estiverem prestes a serem julgados.

 

A decisão se assentou na ideia de mutação constitucional, mas os motivos parecem ter sido de ordem prática, para desafogar o Supremo da incumbência de tribunal criminal e promover maior eficiência no desenrolar de inquéritos e ações penais, em um contexto onde o Supremo parece ter admitido que o foro por prerrogativa de função era, de fato, um foro privilegiado, mas sem qualquer parâmetro para tal afirmação. As instâncias ordinárias da justiça terão realmente mais condições de processar poderosos? É muito pouco provável.

 

Tamanha mudança traz uma lista infindável com essa e outras dúvidas sobre sua implementação.

 

Sabe-se que o novo entendimento será imediatamente aplicado aos casos penais em andamento no Supremo, mas não está claro se afetará apenas deputados e senadores ou se abrangerá todas as autoridades que têm prerrogativa de foro no Supremo, como ministros, por exemplo.

 

Além disso, a incerteza ficou aparente pelas dúvidas expostas pelos próprios ministros: crimes relacionados a caixa dois, ou seja, para obtenção do cargo, estão dentro ou fora da nova regra? E os crimes praticados nos gabinetes? Juízes de primeira instância poderão aplicar medidas cautelares e suspender o exercício de mandato de deputados e senadores? E realizar busca e apreensão em gabinetes? Os demais tribunais, devem observar as mesmas regras nos seus processos de competência originária? Restringe-se o foro para deputados e senadores e o mantém intacto para juízes, promotores e prefeitos?

 

Tantas incertezas indicam que a nova interpretação dada pelo Supremo estará sob questionamento constante. A forma pela qual o Supremo chegou a essa mudança de interpretação não ajuda: uma questão de ordem em ação penal, suscitada pelo próprio ministro relator.

 

A decisão, repentina e processualmente exótica, mostra que o Supremo pode se valer de qualquer ação em andamento para derivar questões constitucionais relevantes, sem que tenha sido provocado a isso e mesmo quando há debate pendente no Legislativo (ainda tramita uma PEC que extingue definitivamente o foro por prerrogativa de função em todas as situações).

 

Esse é só mais um exemplo da expansão de competências dada pelo tribunal a si mesmo. É verdade que não se trata de um fenômeno exclusivo de nosso tribunal; afinal, já é célebre a frase de um dos juízes da Suprema Corte americana dizendo que a Constituição é o que os juízes dizem que é. A Constituição brasileira é que o Supremo diz? Decisões recentes, tomadas no curso de uma agenda de moralização da política, têm afastado o tribunal do sentido muitas vezes literal da Constituição. Amplia seu poder, mas não sua autoridade: quanto mais inusual, dividida e imprevisível a decisão, maiores os questionamentos.

 

Muito poder, sem controle nem mesmo processual, deveria ser acompanhado de moderação. Para cortes infladas, o remédio é a autocontenção— e nisso o Supremo Tribunal Federal tem falhado.

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Category: Opinião

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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