(Renata Mendonça – Da BBC Brasil em São Paulo)
O Dia das Mães pode variar de mês a depender do país, mas são raríssimos os lugares do mundo que não o celebram. No Brasil, a tradição da data já fez com que ela se tornasse a segunda mais importante do ano no comércio, perdendo apenas para o Natal.
Mas poucos conhecem a história que deu início a esse costume de celebrar o amor materno em uma data específica. A tradição veio dos gregos, eles celebravam no início da primavera a mãe de todos os deuses, a deusa Rhea, com homenagens, cultos e presentes.
Mas a oficialização desse costume veio no início do século 20, nos Estados Unidos, por insistência de uma mulher que nunca foi mãe, mas decidiu homenagear a sua com um dia para celebrar sua memória.
Anna Jarvis iniciou uma campanha pelo que chamava de “Dia das Mães” em 1905, quando Ann Reeves Jarvis, sua mãe, morreu. Em 1908, ela organizou a homenagem para ela, mesmo sem a oficialização de um “feriado” na data, e passou a militar pela causa.
Sua luta para a oficialização deste dia durou anos. A motivação de Jarvis veio de uma prece que um dia sua mãe lhe mostrou. “Espero e rezo para que alguém, um dia, reconheça um dia em memória das mães, para celebrar o serviço incomparável que prestam à humanidade em todas as áreas da vida”.
Ann Reeves também inspirou a filha com o trabalho que realizou antes de morrer durante a Guerra Civil Americana. Ainda em 1850, no estado de West Virginia, ela criou uma espécie de grupos de trabalho com mulheres para cuidar de soldados e trabalhar por melhorias na saúde pública. Ela chamava esses dias de trabalho de “Dia das Mães”.
No Brasil, o Dia das Mães é a segunda data mais importante do ano no comércio, perdendo apenas para o Natal –
Enquanto ela fazia campanha enviando cartas todos os anos para congressistas, governadores, celebridades e pessoas importantes para reservarem um feriado para essa data, os políticos zombavam da situação dizendo que, se oficializassem o Dia das Mães, teriam que instituir também o Dia da Sogra (“Mother in Law Day”, em inglês).
Até que em 1911, todos os estados americanos reconheceram o feriado –três anos depois, houve a oficialização de que em todo segundo domingo de maio seria comemorado o feriado em homenagem às mães.
O desejo de Jarvis havia se cumprido e ela finalmente poderia se orgulhar de ter sido a “mãe” do Dia das Mães. Mas, em pouco tempo, ela percebeu que havia “criado um monstro”. A data comemorativa virou um excelente pretexto para o comércio, que se aproveitou da oportunidade para estimular a compra de presentes.
Viés comercial
A data virou tema principal de campanhas publicitárias no início de maio e ganhou grande apelo na indústria de flores e cartões. A história que deu origem ao Dia das Mães –a luta de Jarvis para homenagear o trabalho da própria mãe e de outras mulheres– era o roteiro perfeito para impulsionar ainda mais as vendas.
Só que a grande responsável pela data não gostou nem um pouco do rumo que as coisas tomaram. Ela detestou o viés comercial em que se encaixou o Dia das Mães e passou a boicotá-lo de todas as formas. A ativista que um dia fez campanha pela criação da data agora se mobilizava pelo fim dela.
“Jarvis considerava que o Dia das Mães era de sua ‘propriedade intelectual e legal’ e não parte do domínio público. Ela queria que esse dia fosse um ‘dia santo’ que nos lembrasse da mãe que colocou as necessidades de seus filhos antes das suas. Ela nunca quis que se tornasse um dia para dar presentes caros e onerosos, como outros feriados se tornaram no início do século 20”, descreveu Katharine Lane Antolini, autora do livro Memorializing Motherhood: Anna Jarvis and the Struggle for Control of Mother’s Day (Em Memória da Maternidade: Anna Jarvis e a Luta pelo Controle do Dia das Mães, em tradução livre).
Katharine Antolini é professora de história e estudos de gênero de uma universidade em West Virginia. Ela mora a cerca de 45 minutos de Grafton, onde está a igreja frequentada por Jarvis e sua mãe, hoje é o Santuário Internacional do Dia das Mães, e pesquisou a origem histórica da data.
Segundo Antolini, Anna Jarvis criticava os “aproveitadores” do comércio a quem chamava de “infratores de direitos autorais, vândalos do comércio e especuladores declarados”. Ela chegou a liderar protestos contra as floriculturas, que aumentavam os preços das flores no mês de maio. Antes de morrer mergulhada em dívidas e depressão, Jarvis confidenciou a uma jornalista: “Eu sinto muito por ter criado o Dia das Mães”.
Decreto de Getúlio e comércio
No Brasil, a oficialização do segundo domingo de maio como Dia das Mães aconteceu em 5 de maio de 1932, por meio de um decreto-lei assinado por Getúlio Vargas.
“O segundo domingo de maio é consagrado às mães, em comemoração aos sentimentos e virtudes que o amor materno concorre para despertar e desenvolver no coração humano, contribuindo para seu aperfeiçoamento no sentido da bondade e da solidariedade humana”, diz o texto da lei.
No entanto, apesar das justificativas emocionais dadas no decreto, o que realmente motivou o governo de Getúlio a oficializar a data foi a influência do comércio.
“Precisava de uma data no primeiro semestre pra fazer frente ao segundo semestre, que tinha o Natal. Essas datas comemorativas são criadas em função do interesse comercial”, explicou à BBC Brasil Altamiro Carvalho, economista da Fecomercio no Estado de São Paulo.
No início, a estratégia para impulsionar as vendas deu certo. Nas décadas de 1960 e 1970, os reajustes aos salários mínimos aconteciam em maio. Por conta da inflação alta da época, esses aumentos eram sempre bastante significativos. Com mais dinheiro no bolso, as pessoas tendiam a gastar mais para presentear as mães.
“Você só pode expandir vendas num padrão muito acima do normal quando existe um aumento de renda correspondente. Por que o Natal é a melhor data? Por causa do décimo terceiro, isso permite que você expanda suas vendas. No Dia das Mães acontecia o mesmo”, pontuou.
Por conta disso, o Dia das Mães ganhou fama de “segunda melhor data do ano” para o comércio. No entanto, segundo o economista, essa máxima já não é verdadeira na maioria dos setores.
“Hoje, maio é o quarto ou quinto melhor mês para o comércio. Ele perde para o segundo semestre. Só para o setor de vestuário, tecido e calçado que continua sendo a segunda melhor data do ano”, diz Carvalho.
Segundo ele, nas décadas passadas, as vendas em maio subiam de 10 a 12% em relação ao mês de abril no estado de São Paulo. Hoje, porém, essa diferença é de apenas 5%. “Não há mais injeção de recursos em maio, então, por mais que as pessoas queiram presentear, elas abrem mão do consumo em outras atividades para poder comprar o presente”, finaliza.