Bolsonaro, Marina e Ciro contam com apoio da militância nas redes para se contrapor ao tempo de TV de Alckmin
(Pablo Ortellado, Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia)
Ninguém sabe ao certo que papel as mídias sociais terão nas eleições, mas sua penetração é crescente e elas são a principal esperança dos candidatos que ocupam os três primeiros lugares nas pesquisas de intenção de voto quando Lula não está presente. Apesar disso, apenas Bolsonaro está bem posicionado para explorar esse recurso.
As regras de distribuição do fundo eleitoral e do tempo de propaganda em rádio e TV favorecem o status quo e são a principal barreira para a renovação política.
O fundo eleitoral que é a principal fonte de financiamento das campanhas vai ser distribuído de acordo com o tamanho das bancadas parlamentares na Câmara e no Senado; o tempo de propaganda no rádio e na TV seguirá o tamanho da bancada eleita para a Câmara em 2014. Isso significa que os grandes partidos e os caciques que os controlam vão comandar os recursos mais valiosos para as campanhas eleitorais, dificultando o crescimento dos partidos menores e a entrada de novos atores.
Essa poderosa máquina orientada à reprodução das estruturas vigentes vai enfrentar o desejo de renovação dos eleitores que, nas pesquisas de intenção de voto, têm indicando, até agora, três políticos de partidos menores que não conseguiram montar coalizões eleitorais com os partidos grandes: Bolsonaro, Marina e Ciro.
Para se contrapor aos recursos operados por Geraldo Alckmin e, em menor medida, pelo PT, eles contam com o apoio da militância nas mídias sociais. Mas será que uma campanha que utilize bem as mídias sociais é capaz de se contrapor com sucesso às campanhas com grandes financiamentos e com um tempo de TV muito maior?
Sabemos que os brasileiros com acesso às mídias sociais já gastam mais tempo nelas do que assistindo TV, mas a penetração da TV ainda é quase 50% maior e a forma de funcionamento dos dois meios são muito diferentes: enquanto na TV a atenção é concentrada, nas mídias sociais a atenção está dispersa em milhares de vozes pulverizadas. A título de ilustração: dificilmente um vídeo de conteúdo político no Youtube atingirá, mesmo depois de viralizar por vários dias, uma audiência comparável a de uma única edição diária do Jornal Nacional.
Já no jornalismo escrito, o jogo da atenção é mais equilibrado. No Facebook que é a principal plataforma de difusão de conteúdo noticioso, a imprensa engajada, de esquerda e de direita, costuma ocupar cerca de metade dos compartilhamentos de notícias políticas, competindo em igualdade com os veículos da grande imprensa.
Apesar disso, olhando os números, vemos que enquanto a imprensa alternativa, ligada ao PT ou a Bolsonaro depende muito das mídias sociais, a grande imprensa mantém a sua capacidade de difusão de massa. Nos grandes jornais e nos grandes portais do jornalismo tradicional, apenas uma fração do acesso vem das mídias sociais, com a parcela mais relevante vindo do acesso direto aos sites e por meio de ferramentas de busca como o Google.
Isso sugere que embora impactar o debate no Facebook seja relevante, é ainda mais relevante conseguir impactar a cobertura espontânea da imprensa, seja a televisiva, seja a escrita. Essa parece ser a estratégia de Bolsonaro, um candidato polêmico e antissistêmico que a cada nova chocante declaração vê seu nome projetado pelos adversários e pela imprensa.
Mesmo quando recebe menções negativas, ele cresce em relevância e chama a atenção dos despolitizados e indecisos para quem sua falta de compostura e seu radicalismo nem sempre são considerados defeitos. Donald Trump usou a mesma estratégia em 2016, nas eleições presidenciais americanas.
No jogo mais restrito das mídias sociais, sobretudo no Facebook e no WhatsApp, que são as mais importantes, o que importa é o tamanho do exército de soldados apaixonados que difundem notícias favoráveis e se engajam em debates para defender o candidato. Neste quesito temos praticamente apenas dois atores relevantes, Bolsonaro e o PT.
O PT controla uma ampla rede de blogs, sites de notícias e influenciadores que exercem uma hegemonia inconteste na esquerda. Na direita, os principais sites de notícias e o contingente de militantes mais numeroso e mais apaixonado está com Bolsonaro. Ciro conseguiu criar uma pequena rede apoio para si, mas está num distante terceiro lugar e todos os outros candidatos são, em comparação, inexpressivos.
No WhatsApp, o jogo é opaco e sobre ele sabemos muito pouco porque a rede é fragmentada e privada e, portanto, não pode ser monitorada. Sabemos que o uso do aplicativo é elevado, praticamente no mesmo nível do Facebook, mas ninguém sabe o poder de fogo das campanhas.
Nos grupos políticos públicos, isto é, nos grupos de WhatsApp que distribuem convites em sites e no Facebook, praticamente só temos apoio a Bolsonaro. Os muitos grupos de WhatsApp de apoio aos caminhoneiros que se difundiram pelo interior do país durante a paralisação também são dominados por apoiadores do ex-capitão do exército.
A esquerda também tem uma rede grande de grupos de WhatsApp, dominada por apoiadores de Lula, mas ao contrário dos grupos de direita, ela é muito endógena e só fala aos convertidos. Apesar disso, ela deve ser importante para difundir propaganda que depois pode ser compartilhada nos grupos de família dos militantes.
Podemos, assim, fazer um balanço. Alckmin domina todos os recursos tradicionais: tempo de TV, palanque nos estados e a maior parcela do fundo eleitoral que pode, inclusive, ser utilizada para comprar poder comunicacional nas mídias sociais.
Bolsonaro não tem tempo de TV, nem recursos, nem apoio político tradicional e, portanto, deve contar com as menções espontâneas na imprensa, ainda que negativas e com seu exército de apoiadores para difundir notícias e atacar adversários no Facebook e no WhatsApp. Como não tivemos situação parecida no passado, não sabemos se isso será suficiente para superar suas limitações.
Haddad, que deve ser o candidato do PT, terá o apoio de Lula, que é muito relevante, terá tempo de TV razoável, terá uma parcela também razoável do fundo eleitoral e terá uma rede de apoio nas mídias sociais e fora dela que é tão grande ou maior do que a de Bolsonaro.
Em comparação com os três que dominam os recursos tradicionais e os novos, Ciro e Marina ficam muito prejudicados. Será uma surpresa se conseguirem competir em igualdade com os demais tão logo a campanha comece de fato.