Ciro abre fogo (entrevista de Ciro Gomes à revista Carta Capital)

By | 18/08/2018 8:33 am

Desde que o PT levou o PSB a declarar neutralidade nas eleições, o discurso de união do campo progressista sofreu forte abalo. Por onde passa, Ciro Gomes não disfarça o descontentamento com o acordo, visto como uma “punhalada nas costas”, uma manobra “inescrupulosa” de um histórico aliado. Tardiamente, a cúpula petista tentou convencê-lo a ocupar o posto de vice na chapa encabeçada por Lula. O pe-detista tomou a oferta como u ma ofensa.

“Fui por 48 horas bombardeado com convites. Considerei um insulto. Estava homologado como candidato do PDT”, relata a CartaCapital. Embora seja brando ao classificar a prisão de Lula apenas como “injusta”, é veemente em afirmar que a estratégia petista de o manter candidato, mesmo sabendo da provável interdição judicial, é u ma “fraude”. Apesar do tom belicoso, Ciro defende uma aliança no segundo turno. “Não vou votar na direita, não vou fazer como a Marina Silva, que o PT empurrou para o colo deles. Quero deixar as portas abertas para encerrar essa agenda golpista, antipo-bre e antinacional que o governo Temer e seus aliados do PSDB representam.” Na entrevista a seguir, o presidenciável do PDT fala sobre o seu plano para retirar os devedores do SPC, propõe a adoção de um sistema de capitalização para sanear as contas da Previdência, defende o uso de parte das reservas cambiais para abater a dívida pública, além de combater o rentismo e aumentar a tributação dos mais ricos. Uma agenda que seria capaz de unir os interesses do setor produtivo e do trabalho, ao menos num primeiro momento. “Abro mão do heroísmo, de ser um guru da esquerda, embora, na prática, meus números indiquem que sou o mais progressista da política brasileira depois do Lula.”

Carta Capital: Em um seminário em Brasília, o senhor enfatizou que o PT é adversário. É isso mesmo, não há mais qualquer possibilidade de aliança?

Ciro Gomes: Se disputo a Presidência da República e o PT também tem o seu candidato, somos por definição adversários. E um truísmo, nem remotamente isso significa que sou um inimigo. Ao contrário, mesmo quando a cúpula petista fez as coisas mais inescrupulosas comigo e vi uma certa militância se levantar muito aborrecida do meu lado, escrevi uma carta pedindo calma. Claro que, daqui para a frente, isso gera uma certa tensão, pois a cúpula do PT fez uma opção. E uma espécie de fraude contra uma imensa quantidade de brasileiros que de boa-fé gostam do Lula, querem o seu bem e gostariam de votar nele, como eu fiz ao longode 16 anos. O registro e a manutenção da candidatura de Lula é uma tentativa de manipulação. Amanhã, ao se confirmar a interdição de Lula, vão lançar Fernando Haddad com a Manuela DÁvila de vice. E um convite à população para dançar na beira do abismo.

“FUI POR 48 HORAS BOMBARDEADO COM CONVITES PARA SER VICE DE LULA. CONSIDEREI UM INSULTO”

Carta: O senhor recebeu convite para ser vice de Lula?

Ciro: Só por jogada. Não estou me queixando. A minha militância ficou muito irritada, mas tenho que manter isso frio porque amanhã, se não couber a mim a honra de representar o campo progressista, vou atuar pela unidade. Não vou votar na direita, não vou fazer como a Marina Silva, que o PT empurrou para o colo deles. Quero deixar as portas abertas para encerrar essa agenda golpista, antipobre e antinacional que o governo Temer e seus aliados do PSDB representam. Mas, sim, respondendo à sua pergunta, e é a primeira vez que falo sobre isso, fui por 48 horas bombardeado com convites. Considerei um insulto. Estava homologado como candidato do PDT. Não represento o PT e discordo há tempos da compreensão que o partido tem do Brasil. O PT não tem projeto de país. Aproveitou essa liderança extraordinária, o Lula, mas não desenhou nada institucionalmente. Nem os grandes avanços, em matéria de políticas sociais, foram institucionalizados.

Carta: E a política externa? Pela primeira vez em décadas tivemos uma atuação independente dos Estados Unidos…

Ciro: Tudo isso é importante, mas essa política também não foi institucionalizada. Lula representou uma passagem benfaze-ja. Tenho os números na cabeça, que talvez a petezada sequer conheça. O salário mínimo, pelo poder de compra, saltou de 76 para 320 dólares. Não é pouca coisa. Mas o que foi apropriado pelo conjunto da sociedade e não foi desmanchado em dois anos de Temer? O Lula é um velho companheiro, com quem tenho mais acordos do que discordâncias. Uma coisa que não sabem é que eu estava nos EUA no dia em que ele foi preso e pedi para o meu irmão passar a madrugada com ele lá no sindicato. No dia seguinte, comecei a levar grosseiras pancadas por estar ausente. Ao voltar, pedi para visitá-lo. A juíza me proibiu. Recorri ao TRF da 4a Região, e eles também proibiram. Recorri ao STJ, que admoestou a juíza a cumprir a lei. Quem escolhe a visita é o paciente, o preso. Pois bem, até hoje não fui dignificado com o direito de me dirigir ao São Lula. Fui convidado para Service depois que a minha candidatura estava homologada e de tudo o que o PT fez com o PSB. Aquela coisa foi muito estranha, para usar uma palavra moderada. Agora vamos medir forças.

Carta: Se o senhor aceitasse o posto de vice, muito provavelmente seria ungido para ser o cabeça de chapa. No mínimo, seria um influente ministro…

Ciro: Não participo de fraude. Quando vias baboseiras acontecendo, cansei de avisar o Lula. Tem artigo meu na Carta Capital falando sobre a roubalheira na Petrobras. Não quis mais ser ministro no segundo mandato. Apesar de ser honrosamente convidado, não aceitei participar do governo de Dilma Rousseff, na minha opinião um desastre. Estive com ela até o último dia em nome da democracia. O Ceará deu dois terços dos votos contra o impedimento. Mas isso que a cúpula do PT armou é uma fraude. O próximo governo, se essa estratégia for exitosa, não dará certo. Se o Haddad chegará Presidência com esse tipo de expediente, chegará desse tamanhinho.

Carta: Não lhe parece uma fraude também a interdição judicial de Lula?

Ciro: Fraude não, mas é uma aberração jurídica. Nunca deixei de afirmar que considero injusta a condenação de Lula.

Carta: Dizer que a condenação de Lula é tão somente “injusta” não parece muito pouco?

Ciro: Que obrigação eu teria de dizer mais do que isso?

Carta: Desde o impeachment de Dilma, a democracia sofre uma violência inaudita. Foi desferido um golpe de Estado que agora tenta impedir Lula de disputar as eleições.

Ciro: Cumpri meu dever. Pedi demissão de um emprego altamente remunerado, fui para a rua, pressionei os parlamentares do Ceará, fiz o possível. E, logo após o impeachment, o PT vota no Eunício Oliveira para a presidência do Senado. Ora, se houve um golpe, quem o praticou foi o Senado, com a autorização da Câmara. O processo foi conduzido por Renan Calheiros. Então Lula faz uma caravana às vésperas de ser preso e, ao chegar em Alagoas, abraça Renan. Por que tenho que explicar isso?

Carta: É possível governar sem o MDB?

Ciro: No primeiro mandato, que foi o governo mais útil ao Brasil, Lula resistiu a todos os aconselhamentos dos pragmáticos do PT. No escândalo do mensalão, fizemos a aposta inversa. Mobilizamos os sindicatos, os estudantes, partimos para o enfrentamento. Ganhamos. Recordo-me do falecido Márcio Thomaz Bastos trazer um recado de FHC, dizendo que, se Lula desistisse da reeleição, eles desarmavam o conflito. Levantei a voz, a proposta era indecente. Disse: “Se Lula anuncia que não é mais candidato, vai ao chão amanhã”. Felizmente, o presidente arbitrou em favor da minha tese. Também servi ao Brasil sob a liderança de Ramar Franco, e ele também não cedeu.

Carta: O que o Centrão tem de diferente do MDB?

SE NÃO PASSAR PARA O SEGUNDO TURNO, O CANDIDATO AVISA: “NÃO VOU VOTAR NA DIREITA, ESTAREI COM O CAMPO PROGRESSISTA”

Ciro: A única diferença é que o Centrão não existe como um organismo daquele tamanho. Eles estão tentando adquirir essa organicidade. O Centrão nunca foi cogitação minha. Talvez para se valorizar, eles me procuraram. Vou fazer o quê? Muito a contragosto, bailei com eles. Pediram-me para indicar o vice da chapa e a presidência da Câmara. Era poder demais, não dá. Qual é a tragédia? O MDB é grande demais, chantageia unido com essa imensa força e reparte o butim em separado. O < Centrão quer adquirir essa organicidade. Só se for muito burro um presidente da República dará a eles esse tratamento. ” E a regra básica, de dividir para reinar. O  maior partido vai eleger no máximo 10%, ” 11% da Câmara. A questão é não os tratar 2 organicamente. Dilma foi muito inábil. £

Carta: Lula poderia ter escolhido um nome melhor que Dilma?

Ciro: Acho que sim. Não que ela seja uma má pessoa. Ao contrário, é honrada, é patriota, gosta do povo. O problema dela é a S absoluta falta de aptidão para essa arte.

Carta: Quem ele teria à mão?

Ciro: Tarso Genro, por exemplo. Foi governador, ministro, é uma pessoa letrada, veio da luta política. Poderia citar dez nomes, até mais. Só não podia ser a Dilma. Ela não conseguiu juntar um terço da Câmara Federal, que estava à venda. Mas vamos ver, agora, se Lula aprendeu a lição. A vice será a Manuela D”Ávila, minha querida amiga. Vê se cumpre o perfil? Veja, estou falando de política com medo de melindrar amigos. Haddad é um amigo queridíssimo, mas ainda não inteirou dois anos que fomos com ele para disputar a prefeitura de São Paulo e levamos uma surra. Falo nós, porque apoiei o Haddad. Meu partido indicou seu vice. Mesmo com São Lula debaixo do braço, perdeu para nulos e brancos.

Carta: O senhor teria algum preconceito ideológico na hora de convocar ministros para compor o seu governo? Ciro: Sim, não quero nomes da direita entreguista e financista na minha equipe.

Carta: Há pouco o senhor falava de Tarso Genro como um nome que Lula poderia indicar no lugar de Dilma.

Ciro: Ele ilustra qualquer governo.

Carta: E o Celso Amorim?

Ciro: Ilustraria muito mais ainda. E um extraordinário quadro, eu o conheço antes mesmo de Lula. Presidiu a Embrafilme e, desde então, sou amigo dele.

Carta: Dentro da sua equipe, qual é o papel do Mangabeira Unger? E até onde vai a influência do Benjamin Steinbruch?

Ciro: O Mangabeira é um velho amigo, somos compadres. Ele me instiga a pensar, é um gênio extraordinário. Recentemente, a China o chamou para apresentarseulivroainda não publicado, sobre a nova economia do conhecimento. AOCDEtambémoconvidou, imagina como as idéias dele são instigantes. Ele me ajuda muito, mas não é dotado das habilidades e malícias. A Dilma ligou para ele nos EUA, fazendo um apelo para eu aceitar ser vice do Lula e tal, ele balançou todo. Fiquei irritado com ele. Nem expressei isso, mas já passou. Benjamin é outro velho amigo. O pai dele, Mendel Steinbruch, nasceu em Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Cresceu na área têxtil. Quando São Paulo começou a ficar hostil para a produtividade, eles se mudaram para o Ceará e passaram a ser os maiores empregadores do estado. A época, Benjamin era um jovem meio playboy, e o Mendel botava ele para estudar, para trabalhar. Mas ele não era muito do serviço não, gostava de cavalo e tal. Conheci ele naquela época e depois ficamos amigos. E uma figura que respeito muito, mas sei que ele não cuida muito das delicadezas das relações trabalhistas.

Carta: Recentemente, o senhor propôs usar parte das reservas internacionais para abater a dívida pública. Qual é o objetivo? Atrair os investimentos privados?

Ciro: Não acredito nessa história de atrair investimento privado. Isso é papo furado, nunca aconteceu.

Carta: Então as reservas serão usadas para alavancar o investimento em infraestrutura?

Ciro: Não, é para diminuir a dívida interna. O próximo presidente da República corre o risco de se desmoralizar em seis meses e está absolutamente vulnerável a um impeachment, em consequência da introdução da Emenda n° 95 na Constituição, do teto de gastos. Temer tem distribuído aumentos a outros poderes, mas ninguém liga porque é um moribundo. O pró-x imo presidente, qualquer um de nós, terá, no entanto, de mostrar ao tal mercado que tem margem para tourear com eles. Foi o que fiz ao falar na Confederação Nacional da Indústria, o epicentro do baronato brasileiro, embora muitos deles estejam falidos, não produzem mais nada. O Brasil não está na mão do sistema financeiro como se diz. Lula e Dilma foram engambelados por Meirelles, Levy e companhia. Temos reservas cambiais de 370 bilhões de dólares. Desse montante, só precisamos manter uns 200 bilhões, o suficiente para garantir um ano e meio de importação. O restante pode ser usado para abater a dívida interna.

Carta: Com qual objetivo?

Ciro: Imagina se o governo chama o credor arrogante e diz: “Então tá, vou pagar agora”. O que acontece? O governo vai economizar uma montanha de dinheiro com juros, acaba a mamata. Quero consertar o fluxo, e tenho a equação para superar o déficit de 2 pontos porcentuais do PI B em 24 meses. Tecnicamente, daria para fazer em um ano. Não é possível, pois o Brasil adotou o princípio da anterioridade. Ou seja, uma providência tomada agora só terá efeito no ano que vem. Proponho uma tributação mais progressiva sobre lucros e dividendos, sobre as grandes heranças, sobre as transações financeiras. Quero passar um pente-fino nas renúncias fiscais, que somam mais de 250 bilhões de reais por ano, parte importante disso concedido pela dona Dilma. O Brasil tem como superar odéficit e fazer um superávit primário de 1% a 2% do PIB.

Carta: Essa agenda passa no Congresso?

Ciro: Só passa se a gente entender três coisas e usar um fusível. Primeira, propor antes e aguentar as bordoadas. E preciso conferir um caráter plebiscitá-rio à eleição em matéria de programa. Segundo, todos os presidentes, do general Dutra para cá, se elegeram com minoria no Congresso. E todos tiveram poderes quase imperiais no primeiro ano de governo. A hora de falar em reforma são os seis primeiros meses. Não se trata de pressa. O presidente vai trazer os temas, mediaros conflitos, chamar os empresários, os trabalhadores, a academia para debater. Terceiro ponto, precisamos trocar a grande reforma fiscal por um redesenho do pacto federativo. O centro de gravidade real da política brasileira não está no Congresso, está nos estados. Por fim, o fusível: podemos convocar os eleitores para plebiscitos e referendos. Para enfrentar os privilégios, a reforma da Previdência precisa do povo. Por quê? Cerca de 25% dos benefícios são apropriados por 2% dos beneficiários. Quem são eles? A chibata moral da nação: juizes, procuradores e políticos.

Carta: Nos últimos dias, o senhor levou muitas bordoadas ao prometer retirar os devedores do SPC. Qual é a ideia?

Ciro: De Lula para cá, o Brasil abriu mão de 175 bilhões de reais no Refis. O que é isso? O cidadão deve impostos e não paga. O Refis oferece desconto de até 90% do que chamo de desaforo, isto é, da multa, dos juros, da correção monetária. Refinancia a parte que ficou em 96 meses. Um dos motores do desenvolvimento é o consumo das famílias, que no caso brasileiro responde por quase um terço do crescimento do PIB e está colapsado pelo desemprego, pela informalidade e pelo endividamento. São 63 milhões de brasileiros com nome sujo no SPC.

O que proponho? Fazer uma espécie de Refis, algo parecido com o que é feito no “feirão” do Serasa. Hoje, o cidadão está na mão do credor. Vou pôr o governo na jogada, colocar os matemáticos do Banco do Brasil para calcular o tamanho do desaforo, do juro sobre juro, da multa indevida. Faço um leilão reverso e ofereço a quem der o ma ior desconto preferência nos resgates. Sabe quanto é o débito médio que humilha 63 milhões de compatriotas? Exatos 1.412 reais, o preço de uma refeição para três comensais do ba-ronato de São Paulo ou do Rio de Janeiro.

Posso fazer o Banco do Brasil e a Caixa Econômica afrouxarem um pouquinho o compulsório, e os bancos privados fazerem o refinanciamento.

Carta: Para sanear a Previdência, o senhor propõe a adoção de um sistema de capitalização, mas esse modelo foi aplicado em outros países, como o Chile, onde o benefício médio é muito inferior ao do salário mínimo local.

Ciro: O único sistema de capitalização que não funciona no mundo é o do Chile. Foi implantado por uma ditadura sanguinária, que simplesmente retirou as contribuições compulsórias, a parte patronal e do governo. Deixaram só o trabalhador sem nenhum acesso à gestão dos fundos, micou. Mas o regime de capitalização é imune a problemas atuariais, pois a atual geração poupa para si mesma e não para fi nanciar o aposentado da geração passada.

Carta: Mas e o trabalhador sem capacidade contributiva? No México, três em cada quatro idosos não têm direito a aposentadoria. Dependem das famílias ou da caridade.

Ciro: Não há a menor chance de sanear a Previdência com essa premissa. Vou propor um programa de renda mínima. Com a Constituição de 1988, garantimos aposentadoria para 10 milhões de trabalhadores rurais. E justíssimo. Mas, se você tem um sistema atuarialmente dependente da contribuição e inclui 10 milhões para receber sem ter contribuído, o sistema quebra. A ideia é tirar do orçamento da Previdência e criar um programa de renda mínima, equivalente a um salário mínimo, para todos os brasileiros que precisarem, onerado ao Tesouro. Na prática já é assim, só haverá transparência orçamentária. O sistema é brilhante, o grande problema é a transição, como sair do atual modelo para chegar lá.

Carta: Ainda é possível apostar na conciliação entre capital e trabalho? Como resgatar o diálogo com o empresariado?

Ciro: Seria muita ingenuidade acreditar que alguém vai conseguir conciliar capital e trabalho. Apenas identifico, no caso brasileiro, uma comunhão de interesses pragmáticos numa primeira fase, que vai nos consumir de 10 a 20 anos. No Brasil, o mundo da produção definha e o mundo do trabalho está à beira do colapso. Temos 13,7 milhões de desempregados, 32 milhões na informalidade, 11 milhões de “nem-nem”, como os especialistas chamam os jovens que nem estudam nem trabalham. São quase 64 mil homicídios por ano, dos quais somos capazes de investigar menos de 10%. Estamos à beira do caos e temos um inimigo em comum, o rentismo. E possível construir um projeto que associe concretamente os interesses práticos de quem trabalha com os interesses práticos de quem produz. Vou tentardescartelizarosistema financeiro. No primeiro dia de governo, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica vão sair do cartel, passarão a oferecer política mais atrativa de juros. Vão tomar o mercado do Itaú, do Bradesco, do Santander.

Carta: O senhor mencionou os 64 mil assassinatos anuais. Quais medidas pretende aplicar na segurança pública? Ciro: Pretendo federalizar o enfrenta-mento das facções criminosas, da investigação à segregação prisional. Refiro-me ao narcotráfico, ao crime contra a administração pública e à lavagem de dinheiro. São inovações institucionais que você pode fazer por medida provisória, dado o caráter de urgência de determinados problemas. Hoje, os primeiros a ter contato com a cena do crime são os policiais militares. Onde há disputa territorial por droga, ela é corrompida. Onde não há essa disputa, corrompe-se a Polícia Civil, responsável pela investigação. E preciso tirar das polícias locais a tarefa de combater o narcotráfico. O Brasil tem 11 mil policiais federais e metade está atrás de birôs, carimbando papel, passaporte. Possuem excelência na formação e estão fora da investigação. Podemos rapidamente fazer um rema-nejamento de servidores. Onde a Polícia Federal tiver alguma ostensividade, é possível fazer concursos de nível médio para funcionários administrativos e dobrar o efetivo para investigação.

Carta: Qual a origem de tanta violência?

Ciro: E a desigualdade. O garoto cresce as-pirando acessar um certo padrão de consumo e a família não tem renda para isso. Então, o narcotraficante paga para esse jovem 70,80 reais de diária em Fortaleza. Em São Paulo, é 150 rea is. Esse garoto vai levar para casa uma renda, até morrer, que muito provavelmente o pai não tem. Gente como Bolsonaro e tantos outros não entendem isso, ou não querem entender. Preferem estabelecer uma relação demagógica com a população amedrontada.

Carta: A sua vice, Kátia Abreu, também não é a favor de uma política mais repressiva?

Ciro: Não. A Kátia Abreu é mais conservadora do que eu, e por isso mesmo a escolhí. Quero sustentar um projeto nacional de desenvolvimento, fruto de uma

aliança do centro à esquerda. Abro mão do heroísmo, de ser um guru da esquerda, embora, na prática, meus números indiquem que sou o mais progressista da política brasileira depois do Lula. Isso tem várias razões. O Ceará abriga 77 das 100 melhores escolas públicas do Brasil. O melhor Ideb do País é de Sobral, a minha cidade. Fui ao plenário das Nações Unidas receber o prêmio mundial de combate à mortalidade infantil. Tenho 38 anos de vida pública, fui ministro, governador, prefeito. Nunca respondí por nenhum tipo de escândalo.

O Brasil não aguenta um governo de esquerda. Precisa de uma conciliação entre quem produz e quem trabalha. Queria que meu vice fosse um industrial de São Paulo. Não consegui. Kátia sempre se dispôs com muita generosidade a me ajudar. Ela é limpa, competente, séria. Tem dois mandatos de senadora, foi deputada federal. Votou contra a perversão da reforma trabalhista, votou contra o teto de gastos. É contra a liberação dos agrotóxicos. Ela tem uma concepção em relação às armas. Conhece melhor do que eu o interior do Centro-Oeste, do Norte. Hoje, ela me fala de uma demanda dos produtores rurais por ter arma em casa. Sou um antiarma visceral. Nunca peguei em uma, nunca dei um tiro na minha vida. Sou da paz, mas eu a ouço. Não necessariamente concordando.

Carta: O senhor pretende mudar a política de drogas no Brasil?

Ciro: Quero racionalizar o debate. Portugal tem uma experiência muito interessante. Os especialistas estabeleceram quantidades necessárias e suficientes para um dependente usar droga por uma semana. Quem for apreendido com essa quantidade vai para a saúde pública, redução de danos. Até outro limite são sentenciados a cumprir penas alternativas. Acho que as igrejas vão entender. A gente não descriminaliza as drogas, como o pensamento mais progressista está propondo, mas faz uma política de desencarceramento, que hoje é uma tragédia. •

“É POSSÍVEL CONSTRUIR UM PROJETO QUE ASSOCIE OS INTERESSES DE QUEM TRABALHA E DE QUEM PRODUZ”

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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