(César Felício, colunista do Valor Econômico)
Tanto Fernando Haddad, caso de fato seja candidato, quanto Ciro Gomes ainda contam com chances de ganharem a eleição. Haddad mais do que Ciro, uma vez que as recentes pesquisas de opinião já medem com clareza o potencial da transferência de votos entre Lula e o ex-prefeito e o cenário pulverizado faz com que o sarrafo para se passar para o segundo turno permaneça baixo.
Ciro dependerá do erro de seus adversários. Pode ganhar fôlego se a transferência petista não funcionar bem, se Bolsonaro ficar desmoralizado pelos ataques que receberá de Alckmin e se o tucano não conseguir colher os frutos de sua estratégia de destruição. O pedetista depende de combinação de resultados, não de suas próprias forças.
É esta dupla, Ciro e Haddad, que assusta certos segmentos do “establishment”, do grupo de pessoas que tem poder real nos dias de hoje. Bolsonaro entusiasma alguns. Marina não mete medo. Alvaro Dias, como o pinhão, só existe na copa das araucárias. Alckmin e Meirelles, para não falar em Amoêdo, moram no coração das grandes lideranças.
A começar por Ciro: a rejeição a ele no mercado financeiro não diminui um milímetro, independentemente do fato de algumas de suas propostas abrirem oportunidades para o mercado, como a capitalização da previdência com emissão de títulos do governo e a securitização das dívidas pessoais, dentro de uma grande renegociação comandada pelo Banco do Brasil, para citar apenas duas. Ele segue sendo uma besta-fera para a banca.
A explicação é que Ciro não fez nenhum compromisso de que blindaria as variáveis de juros e câmbios de decisões políticas, e nem há mais tempo para fazê-lo. Haddad também não fez isso, mas a ação de Lula como presidente em seu primeiro mandato ainda rende créditos para o PT. A banca tem certeza de que o PT fala coisas na campanha que não faz no poder. Em resumo, o mercado financeiro aposta que o discurso radical de Haddad é só conversa mole para a militância aceitar de modo indolor a ausência do chefe na urna.
Se Haddad provoca instabilidade é pela desconfiança que existe a respeito da sua força política. A prioridade de Haddad, está claro, será encontrar forma de libertar Lula. Cumprida esta meta, paira dúvida sobre o que virá a seguir. Será algo semelhante à experiência argentina de 1973? Do exílio, Perón bancou a candidatura de um preposto, que renunciou a seguir. Caso isso não aconteça Haddad saberá ou irá querer se impor aos radicais da sigla?
A insegurança a este respeito é grande na cúpula militar. O alto comando das forças não se sente confortável com a ascensão de Bolsonaro, mas o prefere quando do outro lado está um petista. Não se esquece no meio castrense a resolução sobre conjuntura divulgada pelo PT em 17 de maio de 2016, cinco dias depois do afastamento de Dilma Rousseff do poder. A autocrítica feita pelo petismo na ocasião calou fundo nos quartéis.
“Fomos descuidados com a necessidade de reformar o Estado, o que implicaria impedir a sabotagem conservadora nas estruturas de mando da Polícia Federal e do Ministério Público Federal; modificar os currículos das academias militares; promover oficiais com compromisso democrático e nacionalista”. Ao contrário da forma como o mercado financeiro recebe a parolagem petista sobre economia, os militares levaram a sério o documento de dois anos atrás.