Quem se opõe ao deputado precisa entender que não basta rejeitar o autoritarismo
(Clóvis Rossi, Repórter especial, membro do Conselho Editorial da Folha)
O problema não é Jair Bolsonaro. O problema são os que se dispõem a votar nele e que constituem, segundo o mais recente Datafolha, um terço dos eleitores (no segundo turno). Ou, mais corretamente, o problema é o sinal enviado por essa parcela do eleitorado.
Por que o problema não é Bolsonaro? Porque, conforme ensinam os especialistas em sociologia e política, a liquidação da democracia não se dá mais, hoje em dia, pelos tanques e canhões, mas pela erosão lenta, gradual e segura promovida por quem chega ao poder, de farda ou de terno, pelo voto popular.
Venezuela e Nicarágua são os dois exemplos do momento na América Latina. Há outros até na Europa ultracivilizada.
Parece altamente improvável, primeiro, que Bolsonaro se eleja, conforme mostraram as simulações de segundo turno no Datafolha. E, se ganhar, é mais improvável ainda que consiga levar adiante o trabalho de demolição da democracia.
Não digo que não queira. É, visivelmente, um autoritário empedernido. O problema é que não terá a colaboração da maioria do Congresso, da maioria dos governadores, da maioria dos partidos e, acima de tudo, enfrentará uma sociedade civil razoavelmente articulada.
Dividida, é verdade, mas naturalmente pouco inclinada a ceder os espaços de liberdade e de participação que foi conquistando. Democracia é oxigênio para a sociedade civil.
Mesmo os militares, salvo alguns alucinados, não têm em tese incentivo para estrangular a democracia. O fantasma do comunismo, usado como pretexto para o golpe de 1964, já foi exorcizado.
As elites, que conspiram contra a democracia sempre que sentem seus interesses ameaçados, não têm com que se preocupar. Até o PT deixou de ser aquele partido cuja vitória, em 1989, levaria 800 mil empresários a deixar o país, na famosa frase de Mario Amato, então presidente da Fiesp.
Lula acabou ganhando 13 anos depois e, em seu governo, os empresários nunca ganharam tanto dinheiro, segundo o próprio Lula diria mil e uma vezes. Os 13 anos e algo de governos petistas não tocaram em um só fio de cabelo das elites.
O problema, do meu ponto de vista de militante pela democracia, é que ela, nesses seus 33 anos de vigência no Brasil, não conseguiu convencer um terço do eleitorado de que é o pior dos regimes, fora todos os outros, para citar Winston Churchill.
Há uma parcela nada desprezível de brasileiros que prefere o pior dos regimes, uma ditadura, resgatada, pela primeira vez nas oito eleições democráticas, das catacumbas a que havia sido felizmente condenada.
Posso até ver algo de positivo nesse ressurgimento: é melhor que os viúvos e viúvas da ditadura trabalhem à luz do dia, no processo eleitoral, do que conspirem nas sombras, como fizeram nos anos 60, até derrubar o governo e impor 21 anos de trevas.
Mas é importante que os que rejeitam o autoritarismo que Bolsonaro
simboliza tomem consciência de que a eleição de 2018 é uma demonstração de que a democracia está capengando. Uma muleta —rejeitar o autoritarismo— não vai bastar. É preciso restabelecer a confiança no modelo democrático, sob pena de que, em algum próximo assalto, ele vá a nocaute.