Jair Bolsonaro precisa mostrar-se à altura do mandato recebido
(Editorial da Folha de São Paulo, nesta segunda-feira)
Jair Bolsonaro ganhou nas urnas o direito de usar a faixa presidencial. A maioria dos eleitores expressou sua vontade de encerrar o ciclo de disputas entre PT e PSDB e iniciar um novo capítulo de alternância de poder.
Pela primeira vez desde a redemocratização, a direita mais nítida e enraizada que se faz possível neste país de profundas contradições chega de forma legítima ao Palácio do Planalto.
Em seus discursos da vitória, o capitão reformado amainou a retórica agressiva que vinha empregando, dirigiu-se genericamente a “todos os brasileiros” e fez o devido elogio à Constituição, à democracia e às liberdades.
Reconheça-se o gesto, mas sem deixar de apontar que, durante 27 anos como deputado e ao longo desta eleição, Bolsonaro deu inúmeros sinais de que ignora rudimentos da convivência democrática, como o respeito às instituições de Estado, a proteção das minorias e a transigência com diferentes pontos de vista.
Também demonstrou desconhecer o papel da imprensa livre nas sociedades modernas. Inconformado com uma reportagem, entrou com ação contra três profissionais deste jornal. Por meio de advogados, sugere que a Folha o transformou em alvo e agiu com o propósito de prejudicar sua candidatura.
Na melhor das hipóteses, confunde jornalismo independente e crítico com atuação partidária. Na pior, pretende intimidar não só esta empresa, obcecada pelo pluralismo e pelo apartidarismo, mas todos os veículos que se recusem a lhe prestar continência.
Nada há de errado em vociferar contra a imprensa. Todos os antecessores do presidente eleito vituperaram esta Folha —e essa tensão só não teria existido se o jornal tivesse sido menos inquisitivo do que deveria.
Mas subsiste uma distância entre o governante que manifesta seu incômodo e aquele que deseja eliminar opositores e silenciar críticos; entre o governante preparado para chefiar uma nação democrática e aquele que não se adapta ao contraditório, ao escrutínio público e à livre circulação de ideias.
Esta Folha ficará onde sempre esteve, confiante na Constituição de 1988, na força da democracia brasileira e na construção de um país melhor para todos. Já Bolsonaro precisará assimilar as lições que nunca aprendeu e mostrar-se à altura do mandato recebido. Que faça um bom governo.