Uma ideia que não faz sentido

By | 10/11/2018 10:36 pm

 

(Mailson da Nóbrega, economista paraibano, natural de Cruz do Espírito Santo, foi Ministro da Fazenda no Governo de José Sarney)

 

A criação do Superministério da Economia, envolvendo as pastas da Fazenda, do Planejamento e da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, comete muitos erros. A pretensão parece ser a de criar um novo czar da economia, com carta branca para resolver décadas de problemas do setor público.

Trata-se de obra ciclópica, que não depende de um indivíduo nem tem como ser levada a cabo num período de governo.

O czar da economia foi uma figura do regime militar, quando se governava por decretos-leis, os quais somente podiam ser aprovados ou rejeitados pelo Congresso Nacional. Hoje reformas dependem, em muitos casos, de complexas emendas à Constituição. Medidas provisórias, que eram renovadas indefinidamente (a do Plano Real foi reeditada mais de 30 vezes), agora só podem ser reeditadas uma única vez.

Diz-se que a concentração de tamanho poder nas mãos de um superministro facilitaria o ajuste fiscal e a privatização em larga escala. Mesmo que essa fosse a saída para atingir tais objetivos, o que não é, a ideia desconsidera a complexidade e a gama de funções dos três ministérios.

O Ministério da Fazenda, um gigante, demanda do ministro dedicação de 12 horas diárias ou mais. Sob suas ordens estão 40 organizações: nove órgãos singulares, 15 órgãos colegiados, quatro autarquias, cinco empresas públicas e três sociedades de economia mista. O ministro preside, entre outros, o Conselho Monetário Nacional (CMN), o Conselho de Política Fazendária (Confaz) e o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP). A eles se subordinam o Banco Central – até que adquira autonomia operacional -, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), a Secretaria da Receita Federal, a Secretaria do Tesouro Nacional, a Secretaria de Previdência, a Procuradoria- Geral da Fazenda Nacional e muitos outros.

A incorporação do Planejamento comete um erro elementar, o de juntar funções que devem ser segregadas: as de elaboração e execução do Orçamento. É assim em praticamente todo o mundo, inclusive nos Estados Unidos. Lá, a preparação do Orçamento está a cargo de um órgão da Casa Branca, o Office of Management and Budget (OMB), enquanto a execução cabe ao Departamento do Tesouro. Ambos têm status ministerial.

A fusão poderia piorar a qualidade do Orçamento. A separação tem uma lógica. Sua elaboração considera o médio e o longo prazos; o órgão que o executa focaliza as questões de curto prazo, ligadas à política fiscal. Afora esse erro, a junção agregaria às já amplas responsabilidades do superministro a supervisão de 23 órgãos e entidades: quatro colegiados, nove secretarias e seis fundações e empresas públicas. A ele se subordinariam, entre outros, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a Escola Nacional de Administração Pública (Enap). O Planejamento cuida de assuntos que não se ajustam ao papel da Fazenda, caso da gestão de pessoal civil da União.

Quanto à pasta da Indústria, o futuro superministro parece identificá-la apenas como fonte de pressão para obter protecionismo, subsídios e incentivos fiscais. Acontece que ela conduz várias atividades relevantes para a indústria, o comércio exterior e os serviços. A esse ministério pertencem oito secretarias e três órgãos e entidades, entre os quais o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade Industrial e Tecnologia (Inmetro), a Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (Abdi) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

Em todo o mundo existe um ministério para cuidar dos assuntos ligados à indústria, ao comércio exterior e aos serviços.

Há casos de duas pastas, uma para a indústria e outra para o comércio exterior. Novamente, os EUA são exemplo com o Departamento do Comércio, que supervisiona atividades ligadas à indústria e ao comércio.

No Japão há o Ministério da Economia, Comércio e Indústria, que sucedeu em 2001 ao Ministério do Comércio Internacional e da Indústria (Miti, na sigla em inglês). O Miti, um dos mais poderosos órgãos do governo japonês, teve participação decisiva nas medidas que permitiram a ascensão do país no pós-guerra. A ele cabiam a política industrial e o fomento às atividades de pesquisa e investimento. A nova pasta continua separada do Ministério das Finanças.

Em termos de gastos, a criação do Superministério da Economia economizaria muito pouco. Desapareceriam os órgãos de assessoramento direto dos ministros do Planejamento e da Indústria, mas eles são compostos, na grande maioria, por servidores públicos, que não podem ser demitidos. Cargos comissionados ocupados por não integrantes do funcionalismo federal seriam eliminados, mas não a ponto de justificar a fusão.

Em resumo, a criação do superministério da Economia parece não ter ponderado os riscos de aglutinar a enorme quantidade de funções, órgãos e entidades integrantes das três pastas.

Grande parte deles precisa ser mantida. Como a medida não produziria um super-homem capaz de assumir, supervisionar e coordenar as extensas funções e atividades que lhes caberiam, o superministério tenderia a resultar em muita confusão, vários conflitos e grande ineficiência.

A ideia não leva em conta a História. A mesma fusão foi decidida por Fernando Collor e deu errado. Foi abandonada logo após o impeachment, quando Itamar Franco reorganizou a estrutura das pastas ministeriais.

Paulo Guedes não precisa ser um superministro para se tornar um dos mais relevantes membros do próximo governo.

Poderia desistir de uma ideia que não faz o menor sentido.

Comentário

Category: Opinião

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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