Ministros julgaram recurso contra decisão da Justiça do RS que absolveu motorista (com comentário)
(Reynaldo Turollo Jr. na Folha)
O STF (Supremo Tribunal Federal) considerou constitucional nesta quarta-feira (14), por 7 votos a 4, o artigo do Código de Trânsito Brasileiro que tipifica como crime o ato de abandonar o local de um acidente para fugir da responsabilidade.
Os ministros julgaram um recurso do Ministério Público contra decisão da Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que absolveu um motorista que abandonou o local de um acidente ocorrido em novembro de 2010 em Flores da Cunha (RS). Em primeira instância, o homem havia sido condenado a oito meses de detenção em regime aberto.
Segundo o registro policial da época, o motorista bateu em um carro parado e fugiu. Ele havia sido visto saindo de um bar. Foi seguido e conduzido à delegacia, apresentando “visíveis sinais de embriaguez”.
Embora o julgamento no STF tenha sido sobre um caso específico, seu resultado deverá ser aplicado a todos os processos similares pelo país (a chamada repercussão geral). Segundo o site do Supremo, havia 131 processos sobrestados nas demais instâncias à espera desse julgamento.
Ao analisar o recurso, o Supremo discutiu a constitucionalidade do artigo 305 do Código de Trânsito Brasileiro, que institui pena de seis meses a um ano de detenção ou multa por “afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída”.
O entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, quando absolveu o motorista, foi o de que ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo.
Diferentemente, o relator do recurso no Supremo, ministro Luiz Fux, afirmou que a norma só exige que o motorista permaneça no local do acidente para que seja identificado, mas não o obriga a produzir ativamente prova contra si mesmo.
“O tipo penal do artigo 305 do Código de Trânsito Brasileiro tem como bem jurídico tutelado a administração da Justiça, que fica não só prejudicada pela fuga do agente do local do evento, uma vez que tal atitude impede sua identificação, como a consequente apuração do ilícito na esfera penal e civil”, disse Fux.
“Ocorre que a exigência de permanência no local do acidente e identificação não obrigam o condutor a assumir expressamente a sua responsabilidade civil ou penal”, afirmou.
Fux votou por reformar o acórdão da Turma Recursal do TJ gaúcho, condenando o motorista, e consequentemente pela constitucionalidade do artigo 305 do Código de Trânsito. Ele foi acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski.
A mais alta instância do Poder Judiciário brasileiro, o Supremo Tribunal Federal, ou STF, está no topo da organização da Justiça brasileira. Ao todo, são 11 “Guardiões da Lei”, todos brasileiros natos, escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos de idade e nomeados pelo Presidente da República, após aprovação da escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.
“Todos nós brandimos armas contra a morosidade da Justiça, a dificuldade de responsabilização, os lapsos temporais alargados que podem se converter em impunidade. Esse tipo [penal] vem na direção oposta. Portanto, me parece que é constitucional”, disse Fachin.
Lewandowski ponderou que podem haver circunstâncias que justifiquem o abandono do local do acidente, como quando o motorista se encontrar em risco de ser agredido, por exemplo.
“Quando atropela um motoqueiro, 50 motoqueiros se reúnem em torno do motorista, e este pode sofrer risco de lesão corporal. Parece legítimo que se evada do local para preservar sua incolumidade física”, disse. Nesses casos, a conduta pode ser entendida como legítima defesa.
O ministro Gilmar Mendes abriu a divergência e foi acompanhado por Marco Aurélio, Celso de Mello e Dias Toffoli. Para eles, que foram vencidos, a prerrogativa de não se autoincriminar deve ser interpretada de forma mais ampla. Ser obrigado a ficar no lugar do acidente feriria esse direito, mesmo que fosse resguardado o direito ao silêncio.
“A comprovação da conduta criminosa pressupõe a configuração de autoria e materialidade [de um crime]. A permanência do imputado no local inquestionavelmente contribui para a comprovação da autoria”, explicou Gilmar.
Comentário do programa – A decisão do STF garante a constatação, por exemplo, da embriaguez, que poderia se frustrar se autorizada a evasão. Frustrando destarte os rigores da Lei Seca. E frustra manobras da defesa para descaracterizar o crime, principalmente quando há vítimas. (LGLM)