Mudanças econômicas enfrentam desafio da negociação com parlamentares
(Flavia Lima, na Folha)
O Congresso Nacional terá um papel crucial no andamento das principais propostas econômicas já sugeridas pelo futuro governo de Jair Bolsonaro (PSL) e tidas como fundamentais para destravar a economia e reequilibrar as contas públicas.
Levantamento realizado pela Folha indica que nove das dez principais propostas sugeridas pela equipe capitaneada pelo superministro da Economia, Paulo Guedes, dependem de aprovação dos parlamentares.
O desafio é ainda maior em pelo menos três dessas medidas —os pilares em que devem se assentar as mudanças prometidas por Guedes.]
Especialistas consultados dizem que, por mexerem em preceitos constitucionais, a reforma da Previdência, a tributária e a desvinculação do Orçamento só podem ser alteradas por emendas à Constituição, que exigem a aprovação de três quintos das duas Casas, em dois turnos de votação.
A intensa dependência do Congresso acende o sinal amarelo. “Não existe a simplicidade que eventualmente se imagina. A maior parte dos assuntos terá de ser endereçada ao Legislativo e, como é sabido, até para aprovar lei ordinária [que exige maioria simples de parlamentares] é difícil”, diz Luiz Gustavo Bichara, sócio do Bichara Advogados.
O entendimento é que as medidas são consideradas urgentes, mas a disposição do novo governo em reconstruir toda a articulação com o Congresso torna incerto o ritmo das futuras negociações.
Bolsonaro já disse que sua intenção é dialogar com bancadas temáticas (como a religiosa ou a da saúde), e não diretamente com partidos —desafio considerado ainda maior.
O detalhamento das propostas não é conhecido em profundidade, e idas e vindas marcam a equipe econômica e do futuro presidente.
Algumas medidas já sob o escrutínio do Congresso mostram, porém, que confrontos ou mal-entendidos entre equipe econômica e parlamentares podem não ser incomuns.
Um exemplo nesse sentido são os ajustes para que o leilão do pré-sal saia do papel.
O futuro governo conta com receitas que podem chegar a R$ 100 bilhões no ano que vem. Esse dinheiro é visto como fundamental para reduzir o déficit primário de 2019, de R$ 139 bilhões.
Era esperado que o acordo com o Senado fosse fechado na semana passada. A contrapartida era que parte dos recursos fosse destinada para estados e municípios por meio de uma medida provisória, o que não ocorreu, impondo dificuldades ao próximo governo, já que o leilão pode ficar para 2020.
Tida como peça-chave para a redução da dívida pública, a venda de estatais também tem de passar pelo Congresso, afirma a advogada Renata Emery, sócia do Brigagão, Duque Estrada, Emery.
Embora Bolsonaro já tenha dito que não vai privatizar as “joias da coroa” (Petrobras, Banco do Brasil e Caixa, por exemplo), não descarta vender empresas menores, como a EPL (empresa do trem-bala).
Nesse grupo estão subsidiárias, como refinarias da Petrobras ou as áreas de seguros ou cartões de bancos públicos. Por “semelhança jurídica”, isso também exigiria aprovação do Congresso, diz Emery.
No campo social, Bolsonaro prometeu uma 13ª parcela para o Bolsa Família e a criação da carteira verde e amarela.
Segundo Jorge Gonzaga Matsumoto, sócio da área trabalhista do Bichara, o Bolsa Família pode ser regulado por meio de MP ou lei ordinária, já que esses foram os meios usados pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva para implementá-lo.
A nova carteira também pode ser criada via lei ordinária, se a ideia não for criar um novo tipo de trabalhador.
As reformas mais importantes, porém, vão exigir maior sintonia com o Congresso.
Tanto a reforma da Previdência, que prevê o sistema de contas individuais (capitalização) para os novos entrantes e uma nova idade mínima de aposentadoria, quanto as mudanças no Orçamento (que incluem a flexibilização dos gastos obrigatórios, como aqueles com saúde e educação, e a desindexação desses gastos da inflação) exigem emendas à Constituição.
O instrumento demanda 308 votos na Câmara e 49 no Senado, em dois turnos. Por isso, é aquele que corre mais risco de se perder nos escaninhos do Congresso Nacional
.
Quanto à reforma tributária, Maucir Fregonesi Júnior, sócio do Siqueira Castro, e Caio Taniguchi, especialista em Previdência do Bichara, dizem que ela requer emenda porque é a Constituição que estabelece a contribuição previdenciária patronal sobre a folha de pagamentos.
Em outra medida prevista, a isenção de IR (Imposto de Renda) para quem ganha até cinco salários mínimos, bastaria lei ordinária.
A única proposta que não precisa do Congresso diz respeito à abertura comercial. Fregonesi diz que alterações de impostos que incidem sobre comércio exterior podem ser feitas por decreto.
Comentário do programa – Bolsonaro se impingiu ao eleitorado como se fosse o todo poderoso que ia “casar e batizar”, mas vai descobrir agora que depende (e muito) do Congresso Nacional. Se não entender isso pode terminar como Collor. Até por que tem um general como vice. (LGLM)