(Mariliz Pereira Jorge, colunista da Folha)
15/12/2018 14h00
Michelle Bachelet, ex-presidente do Chile, no cargo de alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, disse que vai acompanhar o Brasil em relação ao tema. Há muita expectativa, dentro e fora do país, como serão tratadas as minorias depois da posse do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL).
É uma dúvida pertinente. Sua postura durante décadas de vida pública e também ao longo da campanha sempre foi de desdém em relação aos movimentos identitários, o que acendeu o alerta de que as minorias venham a perder direitos. Bolsonaro coleciona frases e posicionamentos que não deixam dúvida sobre sua natureza machista, racista e homofóbica. Mas apenas a partir da posse saberemos a realidade entre o discurso e a prática.
Terminada a eleição, passamos por uma calmaria e temos a chance de tirar a cabeça para fora de nossas bolhas limpinhas. E a dura verdade é que o Brasil precisaria ser um país muito melhor para que pudéssemos afirmar que estamos a caminho do retrocesso, a palavra mais pronunciada por eleitores de centro-esquerda nos últimos meses. Tão alardeado por gente de classes privilegiadas, retrocesso é a realidade de sempre da maioria pobre do país.
Mesmo com todos os avanços sociais conquistados, o Brasil tem desempenho medíocre em distribuição de renda, igualdade de gênero, direitos LGBT, educação, combate à violência. O que fica claro com a onda conservadora que levou ao poder um presidente autoritário é que muitas das conquistas têm alicerces frágeis, que serão colocados à prova.
Mas nada justifica tamanha histeria nas eleições que, além de produzir falsos ataques, deu a impressão de que vivíamos num país civilizado, prestes a voltar à Idade Média. O temido empoderamento dos eleitores radicais de direita não aconteceu e ainda não voltamos a vê-los fazendo ameaças de que “Bolsonaro vai matar viado” e “negro vai voltar para a senzala”.
É o futuro governo quem dará o tom de como os radicais vão se comportar e como a resistência, já anunciada, irá reagir. Ele não só será cobrado, mas responsabilizado, porque boa parte da sociedade não aceitará que o país ande para trás o pouquinho que conseguimos avançar.
O anúncio de Damares Alves como ministra das Mulheres, da Família e dos Direitos Humanos foi recebido com ressalvas. Em sua primeira entrevista, ela deu declarações polêmicas, mas também outras que deveriam nos deixar um pouco aliviados. Sobre o casamento gay, disse que é um direito civil garantido. Se colocou ao lado dos indígenas, inclusive ao contestar que a Funai seja subordinada ao Ministério da Agricultura e declarou guerra à pedofilia.
Agora é torcer para que, como presidente, Bolsonaro seja diferente do candidato que não respeita os direitos humanos. Será o estelionato eleitoral mais celebrado da história.
Comentário do programa – Na maioria das mudanças que pretende fazer, Bolsonaro depende da aprovação do Congresso. Até que ponto ele terá condições manobrar o novo Congresso saído das eleições de 2018.(LGLM)