Cem primeiros dias de atividade parlamentar foram marcados pela dificuldade de articulação, que agora ameaça reforma administrativa
(Angela Boldrini, na Folha)
Sem base consolidada, o governo de Jair Bolsonaro (PSL) acumula derrotas e pena para entender a lógica de funcionamento do Congresso durante os cem primeiros dias da 56ª Legislatura, completados neste sábado (11).
O presidente conseguiu alavancar um grande número de candidatos de seu partido, o PSL, formando a segunda maior bancada da Câmara, com 54 deputados. A sigla é, porém, a única que formalmente integra a base de seu governo. Outras 20 legendas são consideradas independentes e votam com os bolsonaristas esporadicamente.
São 325 deputados dispersos que, insatisfeitos com o tratamento dispensado pelo Executivo ao Legislativo, têm enviado uma série de recados a Bolsonaro e agido por vezes como aliados improváveis da oposição —que formalmente conta com 134 membros.
A primeira delas aconteceu em 15 de fevereiro, quando a Câmaraderrubou o decreto que alterava a LAI (Lei de Acesso à Informação)para aumentar o número de servidores que poderiam declarar sigilosos documentos.
A mais recente veio às vésperas da efeméride: na quinta-feira (9), comissão mista aprovou a medida provisória que altera a estrutura ministerial, devolvendo o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) para o Ministério da Economia. Pior ainda: o texto do governo ameaça caducar caso não seja votado até o dia 3 de junho.
Se isso acontecer, a Esplanada voltará a ter o tamanho que possuía no governo Michel Temer, com 29 pastas.
Questionado na quinta se seria possível cumprir o prazo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), alfinetou o Planalto: “Já vi governo com bom diálogo votar 30 medidas provisórias num dia. O governo do PT, do presidente Lula”, afirmou.
O episódio mostra outra faceta desta Legislatura: a centralização do poder de Maia, eleito com ampla maioria por seus pares —à revelia do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que trabalhou contra sua recondução ao posto.
O presidente da Casa é colocado como o principal fiador da reforma da Previdência, a pauta prioritária do governo. Deputados ouvidos pela Folha são taxativos: sem a atuação do parlamentar, o texto não avançaria no Legislativo.
O envolvimento de Maia no tema da mudança das regras da aposentadoria é tanto que o deputado chega a quebrar certos protocolos. Durante as duas visitas do ministro Paulo Guedes (Economia) à Casa para defender a reforma, o presidente passou parte da audiência sentado à mesa da comissão, gesto incomum.
A proposta avança a passos lentos: demorou mais de dois meses para sair da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), etapa cumprida pela de Temer em menos de dez dias.
Agora, passa pela comissão especial, onde deputados do centrão —grupo liderado por PP, PR, DEM e PRB, que tem articulado as derrotas ao governo— já dizem que não será possível completar a tramitação na Câmara até julho, como quer o governo.
A principal queixa de parlamentares é de inabilidade política. Deputados reclamam desde o início de fevereiro, quando foram empossados, que membros do governo não se mobilizam para defender as pautas prioritárias.
Outro alvo de reclamações constantes é o PSL. Composto quase totalmente por novatos, o partido tem lentamente entendido que o Parlamento não funciona do mesmo jeito que as redes sociais, dizem colegas.
Alguns deputados ouvidos pela Folha citaram, por exemplo, casos como o em que a líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP), usou seu tempo de fala durante sessão da CCJ. Partidos do centrão, naquela sessão de 24 de abril, abriam mão de discursar para fazer avançar mais rápido a Previdência.
Também dizem que deputados reagem desproporcionalmente às críticas da oposição, caindo em provocação.
Membros do centrão, porém, dizem que os bolsonaristas têm melhorado sua atuação. Se a reunião com Guedes na CCJ foi um fracasso, com a oposição dominando os discursos até que a sessão implodisse aos gritos de “tchutchuca é a mãe”, a segunda correu como o esperado, com a base intercalando discursos para blindar o ministro e arrefecer os ânimos.
O problema é, diz um parlamentar, que não se pode aprender a pilotar um avião depois de decolar.
“Esses deputados, principalmente aqueles de redes sociais, tem um período de adaptação à realidade de um Parlamento, onde você não fala sozinho como nas redes”, diz o líder do Novo, Marcel Van Hattem (RS), cujo partido também é composto por deputados de primeiro mandato.
Apesar da sequência de derrotas, levantamento feito pelo Movimento Acredito mostra que 94% das votações em plenário tiveram resultado igual ao orientado pelo líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO).
Os dados foram levantados no gabinete compartilhado dos deputados Felipe Rigoni (PSB-ES), Tabata Amaral (PDT-SP) e do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) a partir de informações públicas do Congresso.
A média parece boa: Bolsonaro supera as votações obtidas por Lula em seu primeiro mandato (com 87% de alinhamento, e Dilma Rousseff em seus dois termos, com 92% e 63%, respectivamente), perdendo apenas para o FHC e Lula reeleito.
Segundo técnicos, porém, a taxa se deve a uma inversão de papéis: a orientação do governo estaria a reboque dos projetos pautados por Maia e o centrão.
Um exemplo foi a votação da PEC do Orçamento Impositivo, que engessou o poder do Executivo para decidir seus gastos. O texto foi aprovado com ampla maioria e contou inclusive com orientação favorável por parte do governo.
A manobra, porém, visava evitar que a aprovação do texto fosse classificada como uma derrota acachapante.
Comentário do programa – Bolsonaro parece que pensa que é Deus e pode tudo. Mas está recebendo lições da realidade, que não é tão cor de rosa como ele e seus apaixonados pensavam. Tem que conviver com um Congresso viciado em manobras e maracutaias e com uma Constituição e Justiça que não permitirão que ele faça tudo o que quer. Vai ter que se enquadrar na realidade. (LGLM)