Censura com filtro

By | 22/07/2019 7:53 am

Declarações de Bolsonaro sobre a produção cinematográfica fomentada pelo poder público mostram sua inclinação autoritária

(Editorial da Folha)

Em atordoante hiperatividade verbal recente, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) superou-se na capacidade de produzir disparates.

Não se sabe se em reação ao protagonismo político do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ou se com o intuito de desviar a atenção de outros temas espinhosos, o fato é que o mandatário deu nos últimos dias demonstrações constrangedoras de superficialidade, preconceito e desprezo pela magnitude do cargo que ocupa.

Entre os vitupérios que Bolsonaro dirigiu a instituições e setores da sociedade, não faltaram ataques a dois alvos preferenciais de sua cruzada obscurantista —a produção cultural e a científica.

No primeiro caso, elegeu-se como alvo o cinema. Aparentemente inconformado com a ideia de que o fomento à atividade contempla obras que contrariam seu gosto e o moralismo primário de grupos que o apoiam, o chefe do Executivo ameaçou extinguir a Agência Nacional de Cinema (Ancine).

Assim procederia, disse, caso não lhe fosse permitido impor um “filtro” para selecionar o conteúdo dos projetos que fariam jus a verbas públicas. O que seria, enfim, tal filtro senão o exercício intolerável e inconstitucional da censura? O presidente foi a um só tempo irresponsável e desrespeitoso ao mencionar como contraexemplo a obra “Bruna Surfistinha”. Em primeiro lugar, porque, como admitiu,nem sequer assistiu ao filme; em segundo, por desconhecer a trajetória exitosa da produção no mercado cinematográfico.

O fato de atividades econômicas contarem com participação de fontes orçamentárias —e elas são inúmeras, da indústria automobilística à construção civil— obviamente não deveria conferir ao Executivo prerrogativas discricionárias sobre os diversos ramos.

No caso da cultura e do entretenimento, em que os bens encerram aspectos imateriais e se inscrevem no território da livre expressão, não é tarefa do governante dispor sobre conteúdos. É preciso, sim, zelar pela transparência e pela eficiência dos mecanismos de apoio, mas em nenhuma hipótese enveredar pelo dirigismo.

Ímpeto análogo demonstrou o presidente ao desacreditar os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) acerca do desmatamento da Amazônia.

Ao acusar a diretoria do órgão de falsear informações a serviço de interesses escusos, Bolsonaro abordou de modo agressivo um tema sobre o qual demonstra não ter nenhum conhecimento.

Trata-se, nos dois casos, de inclinação a um perigoso exercício abusivo do poder. Afinal, o que haveria num Brasil de obras culturais e estatísticas filtradas pelo governo senão um regime autoritário?

 

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Category: Blog

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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