No Sínodo da Amazônia, religioso afirma que gestão Bolsonaro ‘diz uma coisa e depois faz outra’ em relação à preservação ambiental
(Michele Oliveira, da Cidade do Vaticano para a Folha)
Bispo que atua em São Félix do Araguaia, em Mato Grosso, dom Adriano Ciocca Vasino respondeu neste sábado (12), no Vaticano, às declarações do vice-presidente Hamilton Mourão e disse que o governo quer “cancelar a cultura e identidade dos indígenas”.
À Folha dom Adriano afirmou que o incômodo do governo Jair Bolsonaro com o Sínodo da Amazônia é “provavelmente porque eles dizem uma coisa e depois fazem outra coisa”. “Falar é fácil, mas, para cumprir de forma coerente com aquilo que a legislação prevê, a gente vê que tem um hiato muito grande”, diz.
Segundo ele, a atitude adequada do governo é estabelecer mais diálogo com a Igreja Católica e com os povos indígenas para compreender melhor as necessidades e as exigências de quem vive ali.
“Mas percebemos o contrário: este governo está querendo cancelar a cultura e a identidade dos indígenas. Eles querem que os índios como índios desapareçam e se agreguem à sociedade branca como pobres. Sociologicamente, entrariam numa outra categoria e desapareceriam como cultura e identidade próprias”, afirmou.
Mourão afirmou nesta sexta (11) que daria um “pequeno recado” ao Vaticano sobre a Amazônia.
“A mensagem que eu quero passar, em nome do nosso governo, é que a Amazônia brasileira é brasileira. É responsabilidade nossa preservá-la e protegê-la. Quero deixar isso claro.”
Para dom Adriano, no entanto, a soberania do Brasil não está em discussão.
Ele é um dos 57 bispos brasileiros que participam do Sínodo da Amazônia, reunião de religiosos e especialista dos nove países do bioma com o papa Francisco, que convocou a assembleia há dois anos para debater a ação da Igreja Católica na região e a situação do meio ambiente e dos moradores. São 258 participantes, que se reúnem até o dia 27 de outubro.
“A soberania do Brasil e dos outros países que fazem parte da Amazônia não está em discussão, a responsabilidade primária é dos países que têm a Amazônia. Mas não podemos esquecer que estamos num mundo globalizado e que é importante que se supere a ideia de soberanismo, que é um pouco ultrapassada e uma forma de populismo. E que não ajuda nem o Brasil, nem a Amazônia, nem a saúde do nosso planeta”, afirmou o religioso a jornalistas, em entrevista organizada pelo Vaticano.
Antes do encontro, iniciado no dia 6 de outubro, o governo brasileiro criticou a iniciativa da igreja, argumentando que se tratava de uma ameaça à soberania brasileira sobre as questões relativas à Amazônia.
Dom Adriano é italiano e vive há 40 anos no Brasil, sendo sete em Mato Grosso e outros 33 anos no sertão pernambucano.
“Tenho contato com os xavante em Maraiwatsede, que sofreram demais em 2012 quando reocuparam a terra numa operação que foi quase de guerra, com os tapirapé, que têm a terra Urubu Branco invadida, e os carajá, atingidos por muitos suicídios de jovens, de doenças venéreas e alcoolismo, porque os brancos nas temporadas de praia do rio Araguaia corromperam bastante a coisa”, revelou.
“As populações indígenas têm um desconforto muito grande diante da política concreta que o governo está executando. Eles se sentem literalmente desamparados e sentem que as exigências que eles fazem, como, por exemplo, de preservação de terra deles e de respeito das áreas de defesa do agrotóxico, não são respeitadas. E ninguém se importa com isso.”
ENTENDA O SÍNODO
O que é – O Sínodo dos Bispos é uma reunião episcopal de especialistas. Convocado e presidido pelo papa, discute temas gerais da Igreja Católica (como juventude, em 2018), extraordinários (considerados urgentes) e especiais (sobre uma região). Instituído em 1965, acontece neste ano pela 16ª vez
Especial Amazônia – Anunciado em 2017, o Sínodo da Amazônia trata de assuntos comuns aos nove países do bioma, organizados em dois eixos: pastoral católica e ambiental
Para que serve – É um mecanismo de consulta do papa. Os convocados debatem e fornecem material para que ele dê diretrizes ao clero, expressas em um documento chamado exortação apostólica. As últimas duas exortações pós-sinodais foram publicadas cerca de cinco meses depois de cada assembleia
Quem participa – O Sínodo da Amazônia reúne 185 padres sinodais (como são chamados os bispos participantes), sendo 57 brasileiros. Além dos bispos da região, há convidados de outros países e de congregações religiosas. Também participam líderes de outras comunidades cristãs, da população e especialistas —no total, há 35 mulheres. O papa costuma presidir todas as sessões
Comentário nosso – Na ânsia de agradar os grandes proprietários de terra, os empresários do agronegócio que votaram nele e financiaram a sua milionária campanha, Bolsonaro quer desalojar os indígenas de suas terras para entrega-las à exploração dos empresários do agronegócio. E como pensa em ser candidato à reeleição tem que pagar pelo apoio e financiamento que recebeu em 2018 e pelo apoio e financiamento de que vai precisar em 2022. (LGLM)