(Luiz Gonzaga Lima de Morais)
A notícia de mais impacto durante a semana foi a proposta de emenda constitucional com que o governo Bolsonaro pretende extinguir as cidades com menos de cinco mil habitantes que não tenham viabilidade financeira. Ou seja, aquelas que não tenham receitas próprias suficientes e dependam quase que, exclusivamente, do repasse de verbas públicas, através do Fundo de Participação dos Municípios.
À primeira vista, a medida tem uma justificativa plausível do ponto de vista administrativo. Haveria uma enorme economia de recursos, para a nação de um modo geral. Mas o que leva ao grande apoio da população das cidades não ameaçadas à proposta de Bolsonaro é a utilização criminosa destes recursos. Cada cidade pequena é administrada como se fosse “a casa de mãe Joana”, um feudo de um grupo de famílias, que fazem da prefeitura um meio de vida, através da ocupação de cargos. Se junta a isso, o enorme desvio de recursos gerado pela improbidade administrativa.
Só que a medida, a nosso ver, funciona como a decisão do marido enganado que resolve vender o sofá da sala, porque a esposa o estava usando para se divertir com o “urso”. Na nossa humilde opinião, o governo deveria propor medidas que ajudassem a sanear as administrações das pequenas cidades. Reduzir por exemplo o número mínimo de vereadores de nove para cinco, de acordo com a população do município. Extinguir a remuneração do vice-prefeito, hoje mera figura decorativa, tanto nas pequenas como nas grandes cidades. Determinar um número máximo de secretários. Tornar crime o nepotismo. Criar condições para que os desvios administrativos sejam punidos mais rapidamente, tornando mais efetivo o trabalho dos tribunais de contas. Estabelecendo um limite mais reduzido para o gasto com o funcionalismo. Estabelecendo um limite para o número de funcionários efetivos e comissionados, baseado na população e nas receitas do município. Estabelecendo um limite para repasses de Fundo de Participação mais racional.
Por que defendemos a manutenção dos pequenos municípios? Por razões sociais. Talvez os técnicos do Governo Federal, nos gabinetes refrigerados de Brasília, desconheçam a importância das pequenas cidades, principalmente no Nordeste. Vamos tomar como exemplo, os ex-distritos de Patos. Onde estariam hoje as populações de Salgadinho, Passagem, Cacimba de Areia, Areia de Baraúna, Quixaba, Bonfim, Santa Terezinha e São José de Espinharas? Estariam engrossando as periferias de Patos, Campina Grande e João Pessoa, virando, em sua maioria, desempregados e favelados.
As cidades pequenas cresceram, em parte porque retiveram o êxodo rural e em parte porque retiveram nestas povoações o crescimento vegetativo da população dos próprios distritos. A saúde pública e a educação que oferecem retiveram o êxodo de pais e mães de família que procurariam oportunidades de empregos, postos médicos e escolas nas cidades maiores. Os funcionários atuais das pequenas cidades estariam engrossando o exército de desempregados dos próprios distritos e das cidades polos.
Temos que considerar o papel social que exercem as pequenas cidades. O que temos que combater são os abusos. Punir severamente os desvios. Não custaria nada, por exemplo, estabelecer metas. Cada cidade pequena teria que atingir determinadas metas sob pena de perderem a autonomia. O que não pode continuar é a permissividade danosa atualmente existente. Saber que prefeitos, vereadores, secretários e altos funcionários roubam e ninguém os pune por isso.
Uma cidade cujos prefeitos não tivessem suas contas aprovadas pelos Tribunais de Contas receberia punições e, se continuassem assim perderia a autonomia. Uma cidade, que não se mantivesse, por determinado período, dentro dos limites de gastos com funcionalismo, perderia a autonomia. E assim por diante.
Acho muito difícil o Congresso Nacional aprovar a PEC que extingue as cidades pequenas, apesar do amplo apoio das populações das cidades maiores. Afinal, os milhares de prefeitos e vereadores das cidades pequenas são seus cabos eleitorais. O que seria de Hugo Motta, por exemplo, bem votado em Quixaba, se não fosse o apoio de prefeitos e ex-prefeitos locais?
Mas, lembrando a velha lenda, Bolsonaro colocou um bode na sala, e os parlamentares têm que fazer alguma coisa para retirar o bode da sala. E nisso a equipe econômica tem razão. Alguma coisa tem que ser feita. Os desmandos cometidos nas administrações municipais causam um prejuízo imenso para as finanças nacionais. Mas a culpa não é exclusividade das pequenas cidades. Cidades maiores e Estados também são palco de desvios públicos e as regras mais severas puniriam a todos. Claro que não seria possível “rebaixar” Estados e municípios grandes, mas se estabeleceria maior probidade administrativa.
Um fato exemplar, aconteceu recentemente na cidade de Santa Rita. Onze vereadores presos por desvio de recursos do município. Já pensaram se a moda pega? Ia faltar cadeia para tanto vereador.
A única maneira de o Congresso escapar da “degola” que acontecerá com os deputados e senadores que votarem favorável à extinção das pequenas cidades é aprovar leis que aumentem o zelo de prefeitos e vereadores pelos recursos públicos. Punição para prefeitos e vereadores desonestos e, por vias travessas, para as populações que votarem neles, se as cidades pequenas forem rebaixadas depois a distritos.
A administração pública está precisando realmente de um “freio de arrumação” e o Governo Bolsonaro pode conseguir isso, com a ameaça de extinção das cidades pequenas, inviáveis financeiramente, se não houver uma mudança nas práticas administrativas. Vamos ver “quem tem bom guardado”.
No desespero pela perda de confiança popular revelado pelas pesquisas, a equipe econômica de Bolsonaro encontrou uma ideia para acalentar o apoio das populações das cidades grandes, atribuindo às pequenas a responsabilidade pela crise geral do pais. Acabar com as pequenas cidades. Mas esquecem as populações das grandes cidades que a extinção das pequenas cidades vai aumentar o favelamento ao redor das cidades grandes e como consequência a violência e a insegurança. Vai aumentar as demandas de saúde, de educação, de transporte, de empregos, de segurança nas cidades grandes, em condições já tão precárias, pressionadas pelo êxodo das populações “expulsas” das cidades pequenas que voltarem à condição de distritos.
Este é um momento crucial para o país. Vamos ver como saímos desta “sinuca de bico”. Se acabarmos com as cidades pequenas vamos piorar a vida nas cidades grandes, sem resolver o problema financeiro da totalidade da nação. (LGLM)
PS – Temos ouvido nos últimos dias, nas redes sociais, manifestações de apoio à ideia do governo Bolsonaro de acabar com os pequenos municípios, alegando com o predomínio de famílias que se locupletam com as administrações com as maracutaias que promovem. Será que nos Estados e nas cidades maiores é diferente?
A Paraíba sempre foi dominada pelos grupos dos Ribeiro Coutinho, dos Figueiredos, dos Maranhão, dos Cunha Lima, dos Vital do Rego. Veio há pouco um grupo “outsider”, de quem se esperava novos costumes, capitaneado por Ricardo Coutinho e hoje está atolado “até as orelhas” na Operação Calvário. Campina Grande tem sido dominada pelos Ribeiro, pelos Cunha Lima, pelos Vital do Rego e recentemente foi deflagrada lá uma operação Famintos em que se roubava o dinheiro da merenda escolar.
Patos, Sousa, Cajazeiras, Guarabira, Bayeux, Cabedelo e Santa Rita também são dominadas por grupos políticos familiares e nelas não acontece menos corrupção do que nas pequenas cidades que existem em torno delas. Em Patos, já tivemos prefeitos afastados e processados e as outras também não ficam atrás. Por que culpar apenas os pequenos municípios pela corrupção e pelo predomínio de famílias que nelas fazem fortunas?
E a Paraíba não é uma ilha. Tem grupos familiares e corrupção no Ceará, no Rio Grande do Norte, em Pernambuco, em Alagoas, no Tocantins, em Brasília, no Espírito Santo, no Amazonas, no Pará, no Paraná, no Rio de Janeiro, em São Paulo, no Espírito Santo e todo dia se tem notícia de roubalheira e corrupção em todos eles e não é só nos pequenos municípios.
A cidade ou Estado em que não houver corrupção “que atire a primeira pedra”. Temos que combater a corrupção em toda parte. Nos Executivos, nos Judiciários e nos Legislativos. E que se tenha mais respeito com os pequenos municípios. Em muitos deles ainda há decência. Como em toda profissão ou atividade. (LGLM)