Cálculo é da mesma equipe britânica que fez o primeiro-ministro Boris Johnson abandonar abordagem mais leve
(FacebookAna Estela de Sousa Pinto, na Folha)
Adotar estratégias radicais de isolamento social para conter novo coronavírus pode salvar mais de 1 milhão de vidas no Brasil, aponta estudo feito por uma equipe de 30 cientistas do Imperial College de Londres.
No trabalho divulgado nesta quinta (26), os especialistas em doenças transmissíveis calcularam o número de infectados, pacientes graves e mortos em cinco cenários de disseminação do vírus no Brasil.
Sem medidas de isolamento social que reduzam a transmissão do, o Brasil pode ter até 1,15 milhão de mortes provocadas pela doença, chamada de Covid-19. No cenário de restrições mais drásticas e precoces, as mortes seriam 44 mil.
Estudo semelhante feito pelos pesquisadores para os Estados Unidos e o Reino Unido, na semana passada, mostrou que o sistema público dos países entraria em colapso se não fossem adotadas medidas de restrição de circulação.
Os dados fizeram o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, acelerar a adoção de medidas mais duras para conter a pandemia.
Estimativas como as feitas pelo Imperial College baseiam-se em premissas que podem ser imprecisas quando aplicadas de maneira geral.
“Existe um debate social e político legítimo sobre qual é a melhor estratégia a adotar”, afirmou nesta sexta (27) o coordenador do grupo, Neil Ferguson. Para ele, porém, os cientistas precisam priorizar o que os dados expressam, “inclusive as incertezas”.
Os cálculos revelam a ordem de grandeza do impacto das diferentes estratégias, o que ajuda a planejar a prevenção e reforçar os sistemas de atendimento, para impedir que o número de doentes leve os hospitais ao colapso, provocando mortes em excesso.
O Brasil tem 46 mil leitos de UTIs com respiradores, capacidade que só não será superada na hipótese mais radical de intervenção.
Nenhuma intervenção
Cenário em que a vida segue normalmente. Dessa maneira, o coronavírus contagiará 188 milhões de brasileiros, dos quais 6,2 milhões terão que ser hospitalizados e 1,5 milhão precisará ser internado em UTI.
Neste caso, o número de mortes estimado é de 1.152.283.
Distanciamento social
No caso de adoção de medidas como proibição de eventos, redução na circulação, restrição a encontros, uma estratégia mais branda e operacionalmente mais viável que as duas seguintes, o número de mortes chega a 627 mil brasileiros, nos cálculos do Imperial College.
São infectados 122 milhões de brasileiros, dos quais 3,5 precisarão de hospitalização e 831 mil terão que ocupar uma UTI.
Com distanciamento social e isolamento dos idosos
Protegendo os idosos, parcela da população mais suscetível a complicações e mortes provocadas pelo coronavírus, o número de mortes chega a 530 mil, nos cálculos dos cientistas. Nesse cenário eles só devem sair de casa apenas em situação de absoluta necessidade.
São infectados 121 milhões de brasileiros, 3,2 milhões precisam ser hospitalizados e 702 mil ficam em estado crítico, que requer tratamento em UTI.
Com supressão tardia
Além de determinar o distanciamento social de toda a população, são feitos testes massivos, os casos positivos são isolados e os que tiveram contato com eles, monitorados. É o que fez a Coreia do Sul. As medidas são aplicadas quando há 1,6 morte por 100 mil habitantes por semana. Nesta semana, a taxa de mortes por 100 mil por semana brasileira foi 0,04.
Essa abordagem mais rigorosa reduz o número de mortes a 206 mil.
São contaminados 49,6 milhões de brasileiros, dos quais 1,2 milhão precisarão ser internados em hospitais, e 460 mil terão necessidade de cuidados intensivos. No pico da pandemia, a necessidade será de 460 mil leitos de hospital e 97 mil leitos de UTI, mais que o dobro do número de leitos disponíveis no país.
Supressão precoce
Estratégia semelhante à do cenário 4, mas com medidas aplicadas quando ocorre 0,2 morte por 100 mil habitantes por semana. Por ser o mais rigoroso, é o que mais reduz a sobrecarga dos hospitais e o número de mortes.
Nessa abordagem mais radical, morreriam 44 mil brasileiros. Seriam infectados pelo coronavírus 11 milhões de pessoas, das quais 250 mil precisariam de hospitalização e 57 mil, de UTI. No pico da pandemia, a necessidade de leitos de hospital seria de 72 mil; de UTIs, 15 mil.
Embora seja a única estratégia que evita a sobrecarga dos centros de tratamento intensivo, a supressão pode ser difícil de ser aplicada em vários países, observam os autores do estudo.
“Os custos econômicos e sociais da supressão podem ser desproporcionalmente altos nas regiões mais pobres”, escrevem os cientistas.
Entenda as premissas
Os cálculos consideram que, se circular livremente, o coronavírus Sars-Cov-2 pode infectar cerca de 80% da população do país.
Das pessoas infectadas, boa parte não apresentará sintomas ou terá sintomas leves o suficiente para se tratar em casa. Cerca de 20% precisarão de hospitalização, e 5% dos casos se tornarão graves, com complicações que exigirão internação em UTI e uso de aparelhos de respiração.
Metade dos casos críticos leva à morte, de acordo com os pesquisadores, com base na evolução da pandemia nos países em que ela está em estágio mais avançado, como a China e a Itália.
O número de mortes cresce proporcionalmente quando mais gente é contagiada, porém, por dois motivos: os casos graves de coronavírus superam a capacidade de atendimento intensivo, deixando parte dos doentes sem o cuidado necessário, e o caos nos hospitais provoca a morte de outros doentes graves.
Os autores do estudo ressalvam que, para estimar a evolução da doença, levaram em conta padrões de contágio dos países mais ricos.
Como a transmissão depende da densidade populacional e da frequência de encontros, a velocidade de contágio pode variar de acordo com o local.
Em lugares em que muitas pessoas dividem o mesmo espaço, como em favelas, onde as condições de higiene e saneamento são precárias ou onde o sistema de saúde tem menos recursos, a situação pode ser mais grave que a estimada.
O estudo também observa que, embora países mais ricos tenham uma parcela maior de idosos, a incidência de doenças prévias (as chamadas comorbidades) é maior nos países mais pobres, aumentando a vulnerabilidade dessas populações.
Além disso, é mais comum que idosos dividam a casa com mais pessoas nos países menos desenvolvidos, aumento o número de contatos desse grupo mais vulnerável.
Outra observação é que taxas mais altas de desnutrição e doenças infecciosas podem fazer com que crianças de países mais pobres reajam à infecção de maneira diferente à observada em países mais ricos.
“No entanto, no momento não é possível prever com certeza o exato número de casos em cada país ou a mortalidade precisa da doença”, escrevem os autores. Esses dados só estarão disponíveis quando a pandemia tiver arrefecido.
Segundo eles, os governos enfrentarão um grande desafio em suas decisões nas próximas semanas e meses, mas os cálculos do estudo “demonstram que uma ação rápida, coletiva e decisiva pode salvar milhões de vidas”.