(14/04/2020)
O que faz aquele velho depois de ter bebido (aos goles) a própria vida? Sentado em sua pedra filosofal assistindo ao tempo tirar lascas de seus últimos instantes? Estrábico e descrente, repousa seu corpo sofrível no banco frio. Não há companhia ao seu lado. Aliás, há muito que ninguém o nota. Como emendar os períodos subtraídos, já que nem a memória lhe é mais lícita?
Na avenida, que se segue doravante: uma igreja de cenário de fundo (catedral de sempre), mansão dos valores espirituais e devoção de todos os seus. O olhar contempla a ausência naquele mundo novo. Não há nada que o tire do sério. Alheio, não considera as coisas de então. O que é a modernidade? Simplifiquemos: quase tudo foi recriado. Aquele que degustou todas as épocas é a evolução humana reencarnada em si mesmo.
Não há sonhos, aves agourentas por sobre a cabeça. Mas, essas abstrações já não o aborrecem mais. Os arranjos da noite se ajuntam numa confluência de exageros. Todavia, aquela atividade ao derredor é também para lhe testar a paciência. E ele parece que sossega no colo da idade. Gracejos juvenis rasgam o céu de brigadeiro, mas não há desdém da parte dele – apenas leveza. E o que pensa, talvez só importe a ele mesmo.
O paletó em linho branco, de caimento impecável, deve ter sido costurado por um alfaiate, já falecido. E por falecimento, uma dúzia de amores. Como dono da vida, resolve sair. Porém, aonde vai? Nos passos trôpegos, sustenta-se um homem que um dia fora deste tempo. Quem sabe, tenha resolvido voltar para casa. Segue por ali um abecedário da vida, tal qual um livro aberto com todas as letras caindo… – E, sem querer, um mundo inteiro lhe abrindo caminho.
*Misael Nóbrega de Sousa