Veja o que disse Sergio Moro ao anunciar a demissão do Ministério da Justiça (veja comentário no final da matéria)

By | 26/04/2020 5:40 am

 

Ele disse deixar cargo por autonomia da PF e afirmou que presidente tenta interferir na corporação e quer ter acesso a investigações (veja comentário no final da matéria)

Por G1

 

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, concedeu entrevista coletiva na manhã desta sexta-feira (24) para anunciar que decidiu pedir demissão após a exoneração de Maurício Valeixo do comando da Polícia Federal.

Veja as principais frases

Demissão por autonomia da PF

Tínhamos um compromisso, fui fiel a esse compromisso […]. No futuro, eu vou começar a empacotar as minhas coisas e vou providenciar aqui o encaminhamento da minha carta de demissão. Eu, infelizmente, não tenho como persistir com o compromisso que assumi sem que eu tenha condições de trabalhar, sem que eu tenha condições de preservar a autonomia da Polícia Federal para realizar seus trabalhos. Ou sendo forçado a sinalizar uma concordância com uma interferência política na Polícia Federal cujos resultados são imprevisíveis.”

 

Interferência de Bolsonaro

“Presidente me disse mais de uma vez que ele queria ter uma pessoa do contato pessoal dele [na Polícia Federal], que ele pudesse ligar, colher relatórios de inteligência. Realmente não é o papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação. As investigações têm que ser preservadas. Imaginem se durante a própria Lava Jato, o ministro, um diretor-geral, presidente, a então presidente Dilma, ficassem ligando para o superintendente em Curitiba para colher informações sobre as investigações em andamento. A autonomia da Polícia Federal como um respeito à autonomia da aplicação da lei, seja a quem for isso, é um valor fundamental que temos que preservar no Estado de direito.

Bolsonaro preocupado com inquéritos

“O presidente também me disse que tinha preocupação com inquéritos em curso no Supremo Tribunal Federal e que a troca também seria oportuna da Polícia Federal. Por esse motivo, também não é uma razão que justifique a substituição. Até é algo que gera uma grande preocupação. Enfim, eu sinto que eu tenho o dever de tentar proteger a instituição, a Polícia Federal. E por todos esses motivos, eu busquei uma solução alternativa, para evitar uma crise política durante uma pandemia. Acho que o foco deveria ser o combate à pandemia. Mas entendi que eu não podia deixar de lado esse meu compromisso com o Estado de direito.”

 

Troca de superintendentes

“E o problema é que nas conversas com o presidente, e isso ele me disse expressamente, que não é só troca do diretor-geral. Haveria também intenção de trocar superintendentes, novamente o superintendente do Rio de Janeiro. Outros superintendentes provavelmente viriam em seguida, a Superintendência da Polícia Federal de Pernambuco, sem que me fosse apresentada uma razão, uma causa para realizar esses tipos de substituições que fossem aceitáveis.”

 

Insistência de Bolsonaro em mudança

“Ontem, conversei com o presidente, houve essa insistência do presidente. Falei ao presidente que seria uma interferência política, ele disse que seria mesmo. Falei que isso teria um impacto para todos, que seria negativo, mas, para evitar uma crise durante uma pandemia, não tenho vocação para carbonário, muito pelo contrário, acho que o momento é inapropriado para isso. Eu sinalizei: então vamos substituir o Valeixo por alguém que represente a continuidade dos trabalhos, alguém com perfil absolutamente técnico, e que fosse uma sugestão minha também.”

 

Interferência política na PF

“Temos que garantir o respeito à lei, à própria autonomia da Polícia Federal contra interferências políticas. Certo, o presidente indica, ele tem essa competência, ele indica o diretor-geral, mas ele assumiu um compromisso comigo inicial que seria uma escolha técnica, que eu faria essa escolha. E o trabalho vem sendo realizado. Poderia ser alterado o diretor-geral desde que eu tivesse uma causa consistente. Não tendo uma causa consistente e percebendo que essa interferência política pode levar a relações impróprias entre o diretor-geral, entre superintendentes, com o presidente da República, é algo que realmente não posso concordar.”

 

Autonomia da PF no governo Dilma

“É certo que o governo da época [da ex-presidente Dilma Rousseff] tinha inúmeros defeitos, aqueles crimes gigantescos de corrupção que aconteceram naquela época. Mas foi fundamental a manutenção da autonomia da PF para que fosse possível realizar esse trabalho. Seja de bom grado ou seja pela pressão da sociedade, essa autonomia foi mantida e isso permitiu que os resultados fossem alcançados. Isso é até um ilustrativo da importância de garantir Estado de direito, rule of law, autonomia das instituições de controle e de investigação.”

 

‘Carta branca’

“No final de 2018, eu recebi um convite do presidente eleito, Jair Bolsonaro, e isso eu já falei publicamente diversas vezes. É fácil repetir essa história porque é uma historia verdadeira. E fui convidado para ser ministro. O que foi conversado com o presidente é que nós tínhamos um compromisso contra a corrupção, o crime organizado. Foi me prometido carta branca para nomear todos os assessores, inclusive nestes órgãos, Polícia Rodoviária Federal e e a própria Polícia Federal.”

 

Moro não assinou exoneração

“A exoneração [de Valeixo] que foi publicada: eu fiquei sabendo pelo Diário Oficial, pela madrugada. Eu não assinei esse decreto. Em nenhum momento isso me foi trazido, em nenhum momento o diretor-geral da Polícia Federal apresentou um pedido formal de exoneração. Depois, ele me comunicou que ontem à noite recebeu uma ligação dizendo que ia sair a exoneração a pedido e se ele concordava. Ele disse: ‘Como eu vou concordar com alguma coisa? Eu vou fazer o que?’. […] Mas o fato é que não existe nenhum pedido que foi feito de maneira formal. Eu, sinceramente, fui surpreendido. Achei que isso foi ofensivo. Vi que depois a Secom [Secretaria de Comunicação] afirmou que houve essa exoneração a pedido, mas isso de fato não é verdadeiro. Para mim, esse último ato também é uma sinalização de que o presidente me quer realmente fora do cargo, não me quer presente aqui no cargo.”

 

Supremo Tribunal Federal

“Na ocasião [quando foi convidado para comandar pasta], foi dado equivocadamente que teria sido colocada como condição para eu assumir uma nomeação ao Supremo tribunal Federal. Nunca houve isso, até porque não seria o caso de eu assumir um cargo de ministro da Justiça pensando em outro.”

 

Combate à criminalidade

“Dentro do ministério, a palavra maior tem sido integração. Atuamos muito próximos das forças de segurança estaduais, até mesmo municipais. Trabalhamos duro contra a criminalidade organizada. Ouso dizer que não houve um combate tão efetivo como houve nessa gestão, trabalhando com governos estaduais. Tivemos transferências do PCC, prisão da maior autoridade do PCC, [que esteve por] 20 anos foragido, tivemos recorde apreensão de drogas no combate ao crime organizado. Isso é importante […].Recorde de destruição de plantação de maconha no Paraguai, buscamos fortalecer a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal com ampliação dos concursos existentes, empregamos maciçamente a Força Nacional […].”

 

Lava Jato e atuação como juiz

“Fui juiz federal por 22 anos. Tive diversos casos criminais relevantes. Desde 2014, em particular, nós tivemos a Operação Lava Jato, que mudou o patamar de combate à corrupção no país. Claro que existe muito a ser feito, mas aquela grande corrupção que, em geral, era impune, esse cenário foi modificado. Foi um trabalho do Judiciário, do Ministério Público, de outros órgãos e, na parte de investigação, principalmente aí da Polícia Federal. Desde 2014, né, na Lava Jato, sempre teve uma preocupação de uma interferência do Executivo nos trabalhos da investigação e isso poderia ser feito de diversas formas: troca do diretor-geral se não tivesse causa, troca do superintendente.”

 

“Eu não tinha como aceitar essa substituição. Há uma questão envolvida também da minha biografia como juiz, de respeito à lei, ao Estado de Direto, à impessoalidade, né? No trato das coisas com o governo. E eu vivenciei durante a Lava Jato. Seria ali um tiro na Lava Jato se houvesse substituição de delegado, de superintendente, naquela ocasião. Então, eu não me senti confortável, tenho que preservar a minha biografia, mas, acima de tudo, eu tenho que preservar o compromisso, que foi o compromisso que eu assumi inicialmente com o próprio presidente, que nós seríamos firmes no combate à corrupção, crime organizado e criminalidade violenta.”

 

Pensão após deixar cargo

“Tem mais uma condição que não ia revelar, mas não faz mais sentido manter segredo. Eu disse [quando aceitei ser ministro] que como estava abandonando 22 anos da magistratura, contribuí anos para a magistratura, pedia apenas, já que íamos ser firmes quanto a criminalidade, que se algo me acontecesse, que a minha família não ficasse desamparada sem uma pensão.”

 

Futuro do ex-ministro

Vou procurar mais adiante um emprego. Não enriqueci no serviço público. Nem como magistrado, nem como ministro. E quero dizer que independentemente de onde eu esteja, eu sempre vou estar à disposição do país para ajudar no que quer que seja, se eu puder ajudar nesse período da pandemia com outras atitudes… Mas, enfim, sempre respeitando o mandamento do Ministério da Justiça e Segurança Pública nessa gestão, que é fazer a coisa certa sempre.

 

Comentário nosso – A versão de Moro é a mais correta. Bolsonaro tinha suas preocupações na sua insistência em tirar o diretor da PF para colocar no lugar uma pessoa de sua confiança. Uma delas impedir o sucesso das investigações contra um dos seus filhos, nos episódios do Rio de Janeiro, tanto no caso da morte de Maryelle como no caso da “rachadinha”, embora estes processos ainda sejam tocados a nível local, poderiam ter a participação posterior da Polícia Federal. Outro no caso do Gabinete do Ódio, dirigido por um dos seus filhos com ataques ao Congresso e ao Judiciário. E por fim o processo aberto recentemente sobre o Ato Público pedindo o fechamento do Congresso e o Judiciário de que o próprio presidente participou. Como estes dois últimos processos estão tendo investigação da Polícia Federal, Bolsonaro que manter na direção da PF um amigo seu de longa data que ele pode manobrar do jeito que quiser. A mudança na PF visa atender também a deputados do Centrão temerosos de processos contra eles próprios e que cobraram a mudança como preço para passarem a apoiar o presidente no Congresso Nacional, onde ele teme a instauração de um processo de impeachment. Ao mesmo tempo, mudando o diretor da PF contra o interesse de Moro ele estaria, indiretamente, descartando Moro que vem sendo um dos seus “calos” desde muito tempo, por não acatar muitas das suas decisões, inclusive recentemente ao contrariar as orientações da Organização Mundial de Saúde e do Ministério da Saúde. Concidentemente, Bolsonaro está descartando todos os ministros que o contrariam ao defender o isolamento da população. Já se livrou de Mandetta, agora de Moro e em breve descartará Paulo Guedes, a quem já começou a “fritar”. Se não sofrer um impeachment antes disso. Na sua fala em rede de televisão no final da tarde de sexta-feira, tentando neutralizar a credibilidade do ex-ministro da Justiça, Bolsonaro tentou desclassificar Moro, no episódio que provocou o seu pedido de demissão. Quem vem acompanhando, com espírito crítico e desapaixonado, os últimos acontecimentos nacionais sabe quem tem razão. Aliás quem tem fama de dizer uma coisa hoje e tentar desdizer amanhã é Bolsonaro. Afinal, por que o interesse de Bolsonaro em tirar o diretor da Polícia Federal para colocar uma pessoa de sua confiança? Só podia ser para manobrar esta pessoa. Se a Polícia Federal não tivesse gozado de independência nos governos de Dilma e Temer não tinha ido tanto ladrão de gravata para a cadeia, inclusive os chefes das quadrilhas, pois a PF teria encoberto muita coisa para atender a quem estivesse no poder. Foi independência da Polícia Federal em investigar, do Ministério Público Federal em denunciar e da Justiça em julgar que possibilitou tanta prisão de “gravatudos”: ex-presidentes, governadores, prefeitos, deputados, empresários. (LGLM)

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Category: Destaques

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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