Ao recuar em nomeação para a PF, Bolsonaro recebe lição sobre limites do poder
(Editorial da Folha de São Paulo)
Desde que assumiu a Presidência, Jair Bolsonaro vem conhecendo os freios impostos pelas instituições a arroubos personalistas e autoritários. A lição desta quarta-feira (29), relativa à gestão de um órgão essencial de Estado, foi sem dúvida a mais contundente até aqui.
Em boa hora, o mandatário se viu compelido a recuar da nomeação de Alexandre Ramagem para o cargo de diretor da Polícia Federal. Pouco antes, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, suspendera liminarmente a decisão escandalosa.
Bolsonaro, como de hábito, testava os limites de seu mandonismo. Se não resta dúvida de que a escolha do chefe da PF está entre as atribuições exclusivas do presidente da República, igualmente parece óbvio que o uso desse poder para proteção de interesses pessoais e de sua família não está.
Como Moraes argumentou em sua decisão, nomeações para cargos públicos devem respeito não apenas às formalidades legais, mas também aos princípios de impessoalidade, moralidade e interesse público inscritos na Constituição.
Acusado pelo ex-ministro Sergio Moro de tentar interferir na PF com o fim de obter informações sobre investigações sigilosas, Bolsonaro reconheceu que seu objetivo era exatamente esse, como se nada houvesse de errado nisso.
“Sempre falei para ele: ‘Moro, não tenho informações da Polícia Federal. Eu tenho que todo dia ter um relatório do que aconteceu, em especial nas últimas 24 horas, para poder bem decidir o futuro dessa nação’”, declarou o presidente.
As acusações de Moro ainda serão investigadas pelo inquérito aberto pelo STF, que será conduzido pelo ministro Celso de Mello, mas o pronunciamento de Bolsonaro deixou claras suas intenções.
Há evidências de que ao chefe do Executivo incomodam investigações que miram filhos e aliados, e sobram motivos para desconfiar da escolha do delegado, de notória intimidade com a família.
Moraes apontou desvio de finalidade na nomeação, mesmo argumento usado pelo ministro Gilmar Mendes para impedir a posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como ministro do governo Dilma Rousseff em 2016.
Entendeu-se na época que a nomeação do líder petista tinha como objetivo principal livrá-lo das investigações conduzidas por Moro e pela Lava Jato em Curitiba.
Se a decisão de Mendes pareceu a esta Folha indevida, à luz do princípio da separação entre Poderes, deve-se reconhecer que as circunstâncias que o país vive hoje tornam mais defensáveis medidas excepcionais como a tomada por Moraes.
Desde a redemocratização do país, nenhum presidente desafiou os limites impostos pela Constituição como Bolsonaro, que submete as instituições democráticas a estresse permanente com o claro objetivo de enfraquecê-las. Em casos assim, cabe responder com firmeza aos que abusam de seu poder.