Candidata a vice de Boulos em São Paulo comprova que velhos formam um grupo muito variado
(Jorge Coli, professor de história da arte na Unicamp, autor de “O Corpo da Liberdade”).
A velhice, esse enfraquecimento progressivo das forças e das faculdades trazido pelos anos. Ficamos cada vez mais frágeis, vulneráveis, dependentes; vista, ouvido e memória que se perdem. Os velhos formam como que uma caricatura do que foram.
Se o declínio e o fim inevitável são verdadeiros, o que enumerei acima formam lugares-comuns conduzindo, como sempre, ao preconceito. Os velhos, na sua diversidade, formam um grupo muito variado. Está aí a Erundina para comprovar.
Mas o papel de Erundina nesta campanha já é extraordinário. Ela atropelou todos os preconceitos. Sua alegria vigorosa, sua energia, sua inteligência brilhante estimulam tanto o velho desencantado quanto o jovem blasé.
Meu sentimento é que nossa geração —a dela, a minha—, em meio a contratempos e desastres próprios a todos os períodos da história, foi mais feliz que a dos jovens de agora. Nós assistíamos a grandes modificações nos comportamentos coletivos, sobretudo no que concerne à liberdade sexual, aos avanços feministas e antirracistas, e acreditávamos num futuro bom que viria para a humanidade.
Em suas falas, Erundina retoma noções que políticos não usam muito: “Queremos uma sociedade educada, civilizada”. Nisto, ela acrescenta, com insistência, o respeito pelo outro, a fraternidade, o humano. Ou seja, educar não é só mandar para a escola aprender a ler e contar; não é só ensinar o comportamento da “civilização” sofisticada. É recuperar o princípio da humanidade, o humanismo.
Não se trata de sentimentalidade genérica e ingênua. Trata-se de não perder o norte, de lembrar que, para além das pequenas estratégias políticas, há uma concepção maior e melhor de mundo.
Gosto de ouvir Boulos criticar o sectarismo e o autoritarismo, inclusive nas esquerdas. Porque o humanismo pressupõe levar em conta sempre o outro e o diferente.
Vivemos hoje o inferno do anti-humanismo. O presidente atual foi eleito com base na incitação ao ódio, violento, físico, bestial. Autorizou o pior que existe em tanta gente: o racismo, os preconceitos, a ferocidade.
O abominável assassinato racista ocorrido em Porto Alegre não é caso isolado. É o produto desse comportamento que infecta a atmosfera do país. Os assassinos não tiveram aquela educação e civilização humanistas de que fala Erundina. Neles, os valores humanos foram asfixiados pela alma que se tornou brutal.
Nós, os velhos, somos dispensados de votar. Há também a pandemia, e estamos nos grupos de risco. Tomando os cuidados necessários, porém, o perigo se torna mínimo. Para alguns, esse esforço pode ser mais difícil. Mas lembremo-nos que, até o fim, nós, os velhos, frágeis e desdenhados, fazemos parte da humanidade e podemos agir para torná-la melhor. E assim, velhinhas, velhinhos, força! Vamos votar neste domingo.
Opinião do programa – O autor do artigo faz 73 anos neste domingo, 29/11, e Luiza Erundina, 86 nesta segunda, 30/11.