Erundina atropelou preconceitos e teve papel extraordinário na campanha

By | 29/11/2020 6:55 am

Candidata a vice de Boulos em São Paulo comprova que velhos formam um grupo muito variado

(Jorge Coli, professor de história da arte na Unicamp, autor de “O Corpo da Liberdade”).

 

 

A velhice, esse enfraquecimento progressivo das forças e das faculdades trazido pelos anos. Ficamos cada vez mais frágeis, vulneráveis, dependentes; vista, ouvido e memória que se perdem. Os velhos formam como que uma caricatura do que foram.

 

Se o declínio e o fim inevitável são verdadeiros, o que enumerei acima formam lugares-comuns conduzindo, como sempre, ao preconceito. Os velhos, na sua diversidade, formam um grupo muito variado. Está aí a Erundina para comprovar.

 

Mas o papel de Erundina nesta campanha já é extraordinário. Ela atropelou todos os preconceitos. Sua alegria vigorosa, sua energia, sua inteligência brilhante estimulam tanto o velho desencantado quanto o jovem blasé.

 

Meu sentimento é que nossa geração —a dela, a minha—, em meio a contratempos e desastres próprios a todos os períodos da história, foi mais feliz que a dos jovens de agora. Nós assistíamos a grandes modificações nos comportamentos coletivos, sobretudo no que concerne à liberdade sexual, aos avanços feministas e antirracistas, e acreditávamos num futuro bom que viria para a humanidade.

 

Em suas falas, Erundina retoma noções que políticos não usam muito: “Queremos uma sociedade educada, civilizada”. Nisto, ela acrescenta, com insistência, o respeito pelo outro, a fraternidade, o humano. Ou seja, educar não é só mandar para a escola aprender a ler e contar; não é só ensinar o comportamento da “civilização” sofisticada. É recuperar o princípio da humanidade, o humanismo.

 

Não se trata de sentimentalidade genérica e ingênua. Trata-se de não perder o norte, de lembrar que, para além das pequenas estratégias políticas, há uma concepção maior e melhor de mundo.

 

Gosto de ouvir Boulos criticar o sectarismo e o autoritarismo, inclusive nas esquerdas. Porque o humanismo pressupõe levar em conta sempre o outro e o diferente.

 

Vivemos hoje o inferno do anti-humanismo. O presidente atual foi eleito com base na incitação ao ódio, violento, físico, bestial. Autorizou o pior que existe em tanta gente: o racismo, os preconceitos, a ferocidade.

 

O abominável assassinato racista ocorrido em Porto Alegre não é caso isolado. É o produto desse comportamento que infecta a atmosfera do país. Os assassinos não tiveram aquela educação e civilização humanistas de que fala Erundina. Neles, os valores humanos foram asfixiados pela alma que se tornou brutal.

 

Nós, os velhos, somos dispensados de votar. Há também a pandemia, e estamos nos grupos de risco. Tomando os cuidados necessários, porém, o perigo se torna mínimo. Para alguns, esse esforço pode ser mais difícil. Mas lembremo-nos que, até o fim, nós, os velhos, frágeis e desdenhados, fazemos parte da humanidade e podemos agir para torná-la melhor. E assim, velhinhas, velhinhos, força! Vamos votar neste domingo.

 

Opinião do programa – O autor do artigo faz 73 anos neste domingo, 29/11, e Luiza Erundina, 86 nesta segunda, 30/11.

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Category: Nacionais

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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