Nosso combate à Covid-19 é insano

By | 02/12/2020 7:54 am

Repetimos a mesma estratégia que falhou esperando resultados diferentes

Atribuem a Einstein a frase “A definição de insanidade é fazer a mesma coisa repetidamente e esperar resultados diferentes”. Essa não é a definição de insanidade e a frase não foi dita por ele, mas certamente descreve o combate à Covid-19 no Brasil. Repetimos a mesma estratégia que falhou no começo do ano esperando resultados diferentes. E o resultado continua sendo mais mortes evitáveis.

Agora que campanhas eleitorais estão fora do caminho, já se pode reconhecer: os casos voltaram a aumentar no Brasil. A Europa teve uma situação bastante controlada durante o verão e agora vê um aumento de casos no inverno que faz países pararem. Nós estamos seguindo um caminho mais parecido com o dos EUA, que tiveram muitos casos no começo do ano e durante o verão.

Enquanto escrevo, estados como Amazonas e Espírito Santo estão com ocupação crítica de leitos de UTI para Covid-19. Vitória, Rio de janeiro, Curitiba e Macapá passaram de 90% de ocupação. E a média diária de óbitos reverteu a tendência de queda e voltou a subir.

É hora de usarmos o conhecimento construído para reforçar uso de máscaras, distanciamento e intervir nas aglomerações que mais favorecem a alta de casos, como locais fechados com pouca circulação de ar. Só que não. O Ministério da Saúde, que deveria coordenar a ação do país contra a maior pandemia do século, segue com o jogo de empurra para estados e municípios. E volta a promover “tratamento precoce”.

Não existe tratamento precoce comprovado para Covid-19 com medicamentos. A melhor intervenção precoce que temos é o uso de máscaras e o distanciamento, que realmente reduz em a quantidade de vírus com que entramos em contato, diminui o contágio e as chances de desenvolver Covid-19 grave —tudo parte da recomendação que o Ministério da Saúde fez uma vez no Twitter, aparentemente por engano, já que apagou a publicação em seguida.

O vermífugo mais promissor para combater a Covid parece ser o voto, mas sua ação é bem mais lenta.

Parece que despregamos da realidade do conhecimento científico e estamos presos em um loop temporal onde nosso plano de combate inexistente não avança. Na ausência de uma campanha federal, o Ministério do WhatsApp continua sendo uma das maiores fontes de informação sobre Covid das pessoas, o que faz do Brasil o último país onde ainda se discute cloroquina, ivermectina e azitromicina como tratamento.

Nem Trump, que promoveu a cloroquina e cativou brasileiros, usou o remédio para malária quando teve Covid —pelo contrário, apelou para anticorpos produzidos em laboratório usando tecnologia de ponta e dispensou a UTI.

Falando em UTIs, a demanda por elas voltou a crescer. Em novembro, as UTIs para pacientes com Covid-19 de Manaus passaram de 85% de ocupação. Novamente. Essa é a cidade onde, segundo estudos de prevalência de anticorpos contra o vírus, estimou-se que mais da metade da população tenha contraído o novo coronavírus.

Se uma região tão atingida pela doença ainda tem casos aumentando e corre risco de ficar sem leitos, o que alimenta a imaginação de quem defende que o Brasil tem imunidade coletiva? Se nem a região mais atingida do país está livre da doença, quem estaria?

O melhor mecanismo para despertar imunidade protetora são vacinas, que estão dando resultados fantásticos —algumas passaram de 90% de eficácia. Mas a salvação que podem trazer demora para ser distribuída e depende das pessoas estarem vivas para serem vacinadas. Melhor controlarmos os casos até podermos contar com ela. E para isso precisamos seguir evidências científicas, não correntes de WhatsApp.

(Atila Iamarino, Doutor em Ciências pela USP, fez pesquisa na Universidade de Yale. É divulgador científico no YouTube em seu canal pessoal e no Nerdologia

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Category: Blog

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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