Não havia alternativa ao governo do Estado a não ser retroceder na flexibilização
Por razões que vão desde o esgotamento físico e emocional após nove meses de privações ao entusiasmo diante da iminência de aprovação de uma vacina segura e eficaz contra a covid-19, nas últimas semanas um grande número de pessoas passou a relaxar nos cuidados para evitar a disseminação do novo coronavírus. O resultado dessa imprudência não haveria de ser outro: vê-se que a pandemia está mais ativa do que nunca.
O número de casos de infecção pelo novo coronavírus deu um salto e a ocupação dos leitos de UTI em hospitais de várias cidades do País voltou a atingir patamares muito preocupantes. A média diária de mortes em decorrência da doença é cerca de metade do que foi no momento mais agudo da pandemia, mas a curva é ascendente após um período de estabilidade.
O Imperial College, de Londres, referência no estudo da evolução da covid-19 no mundo, revelou que a taxa de transmissão (Rt) do novo coronavírus no País está em 1,02. Uma Rt acima de 1,0 significa que o vírus circula sem controle.
De acordo com a SP Covid-19 Info Tracker, plataforma desenvolvida por cientistas da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp) para realizar projeções e monitorar a pandemia em tempo real em São Paulo, em 15 das 22 regiões do Estado a Rt está acima da média nacional, indicando uma propagação acelerada do novo coronavírus.
Em Campinas, por exemplo, a taxa de transmissão está em 1,74. Isto significa que cada 100 pessoas infectadas transmitem o vírus para outras 174. Em Sorocaba e Taubaté a situação é ainda mais grave. Nessas regiões, a Rt é de 1,77 e 1,80, respectivamente. É alarmante.
Diante de um quadro desses, não havia alternativa ao governo do Estado a não ser recuar na flexibilização das medidas do Plano São Paulo. No dia 30 passado, o governador João Doria (PSDB) anunciou que todo o Estado regrediu para a fase amarela, um pouco mais restritiva do que a fase verde, até então em vigor. Pelas novas regras, nenhum estabelecimento comercial ou educacional será fechado; por ora, haverá somente restrições de capacidade e horário de atendimento.
A medida é prudente e serve como alerta para a população de que, ao contrário do que muitos possam pensar, a pandemia não acabou. O recuo de fase era absolutamente necessário diante do aumento do número de casos de covid-19 no Estado. Entre a comunidade médica e científica, não parece haver discussão quanto ao acerto da medida, mas sim em relação ao momento em que foi tomada. Há quem defenda que o governo estadual deveria ter regredido nas medidas de flexibilização um pouco mais cedo, ainda antes das eleições, e há os que pensam que o momento correto é este.
Na capital paulista, o prefeito reeleito, Bruno Covas (PSDB), ainda não divulgou a extensão das medidas da fase amarela do Plano São Paulo que valerão na cidade. A situação da pandemia na cidade de São Paulo, de acordo com as autoridades municipais, está “sob controle”. Auxiliares do prefeito Bruno Covas enfatizam que a capital paulista não está entre os 62 municípios de São Paulo com transmissão mais acelerada do patógeno. Nos próximos dias, é esperado que a Prefeitura divulgue as eventuais alterações no plano de contenção da covid-19 no Município.
Há poucos dias, o epidemiologista Wanderson de Oliveira, ex-secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, disse à Coluna do Estadão que teme uma “explosão” de casos de covid-19 no País no início de 2021. O temor se deve às festas de fim de ano, época em que familiares e amigos confraternizam, muitas vezes sem máscara e sem o devido distanciamento. É o alerta de um dos mais experientes profissionais que estiveram à frente do combate à pandemia no Brasil.
Não se pode baixar a guarda. O novo coronavírus já matou mais de 173 mil pessoas no País e continua fora de controle. Considerando-se que a vacina ainda não é uma realidade, é dever das autoridades e dos cidadãos levar a pandemia muito a sério.