O retorno dos partidos

By | 05/12/2020 8:09 am

Por meio do voto, o eleitor fortaleceu legendas tradicionais e restabeleceu a centralidade dos partidos no regime democrático

(Editorial do Estadão)

 

Ao contrário do que ocorreu nas eleições de 2018, em que os partidos foram hostilizados e muitos candidatos – em especial, Jair Bolsonaro – se beneficiaram do generalizado sentimento antipolítica, o pleito de 2020 trouxe um cenário bem menos tumultuado. Por meio do voto, o eleitor não apenas fortaleceu legendas tradicionais – PSDB, MDB, DEM, PSD e Progressistas foram os grandes campeões das eleições deste ano –, mas, ao rechaçar engodos populistas à margem da política, restabeleceu a centralidade dos partidos no funcionamento do regime democrático.

Houve uma nítida mudança do eleitorado entre 2018 e 2020. Nas eleições presidenciais, venceu o discurso antissistema e antipolítica, com marcado desapreço pelos partidos políticos, como se fossem entidades ultrapassadas e disfuncionais, mais aptas a gerar escândalos de corrupção do que a contribuir para as políticas públicas e a qualidade da representação. Não por acaso, o ganhador das eleições presidenciais de 2018 tinha como um de seus slogans a frase “meu partido é o Brasil”.

O resultado das urnas de 2020 revelou nova postura em relação à política. A experiência de quase dois anos de governo Bolsonaro e de vários governos estaduais sob o mesmo discurso demagógico parece ter levado o eleitor a rever suas escolhas. Neste ano, os derrotados nas urnas não foram os partidos tradicionais, mas precisamente as forças e grupos políticos que desejam atuar à margem dos partidos.

O pleito de 2020 mostrou a importância de partidos bem estruturados, tanto pela proximidade e comunicação com o maior número possível de eleitores como pela capacidade de formular propostas minimamente consistentes. Numa democracia representativa, não se faz política sem as agremiações partidárias – e é isso o que Jair Bolsonaro e outros populistas têm ignorado.

Esse quadro é confirmado, por exemplo, pela dificuldade que o presidente da República vem enfrentando para criar sua legenda. Depois de um ano do seu lançamento, o Aliança pelo Brasil conseguiu apenas 10% das assinaturas necessárias para sua homologação. Sem saber se conseguirá criar seu partido, Jair Bolsonaro já admitiu a possibilidade de se filiar a outra sigla em março de 2021. Tem-se, assim, mais uma demonstração de sua incompreensão a respeito do papel dos partidos em um regime democrático. Para Bolsonaro, que já passou por oito partidos – PDC, PPR, PPB, PTB, PFL, PP, PSC e PSL –, filiação partidária parece ser mero requisito burocrático na hora de se candidatar.

A atitude de desleixo em relação aos partidos causa a Jair Bolsonaro não pequenas consequências políticas. Além de não ter sido capaz de fundar até agora a sua legenda – a tarefa exige um mínimo de coordenação e articulação, além de apoiadores reais, e não meros robôs virtuais –, o presidente da República viu o bolsonarismo, junto com o lulopetismo, ser derrotado por partidos tradicionais de centro.

É evidente, portanto, a mudança do eleitorado em relação à política e aos partidos. Em 2020, a desconfiança recaiu sobre os demagogos, e o voto premiou quem tinha experiência e apresentou propostas mais ou menos realistas. Mesmo assim, há quem queira ignorar as evidências e aumentar a aposta na desinformação e na confusão.

No próprio dia das eleições e sem nenhuma prova, o presidente Bolsonaro mais uma vez difundiu dúvidas sobre o sistema eleitoral. “Como presidente da República, quero voto impresso já. Eu ganhei em 2018 só porque tinha muito mais votos”, disse. Como a corroborar que seu único partido é o da confusão, Jair Bolsonaro fez ainda afirmações caluniosas sobre as eleições nos EUA. “Eu tenho minhas fontes de informações. (…) Realmente teve muita fraude lá, isso ninguém discute”, afirmou.

Felizmente, o eleitor parece cada vez mais distante desse falatório do absurdo. O discurso antipolítica e antissistema envelheceu rapidamente, e o resultado das urnas mostrou uma renovada confiança nos partidos, o que é extremamente positivo. As legendas são elementos fundamentais de uma democracia representativa. Não há democracia forte sem partidos fortes.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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