(Thomas Traumann (*) 15.dez.2020 (terça-feira) – 6h00)
Todo debate presidencial começa com a mesma pergunta: “por que o senhor, ou a senhora, quer ser presidente?”. É tão feijão-com-arroz que os marqueteiros oferecem módulos prontos de respostas que variam entre o piegas (“fazer o bem para os mais pobres”), o egocêntrico (“porque quando eu…”) e o coach (“vamos gerar oportunidades”). Mas a pergunta, por mais singela que pareça, é definidora de uma campanha.
Jair Bolsonaro, por exemplo, não queria ser presidente para combater o déficit público, privatizar estatais e modernizar o Estado. Esses eram o pretexto da turma da Faria Lima para votar nele. Também não foi para acabar com a corrupção. Só quem não gastou 5 minutos olhando a carreira dele podia imaginar isso. A obsessão de Bolsonaro é acabar com o que ele chama de “estado petista”, um misto de direitos liberais que incluem as legislações ambientais e de direitos humanos, a ação das ONGs, o laicismo no serviço público, os sindicatos, a liberdade de imprensa, o movimento LGBTQI+, as universidades, a urna eletrônica, a diplomacia multilateral, as manifestações de rua, enfim “tudo isso daí”.
Passados 2 anos, Bolsonaro é uma catástrofe na saúde, acumula derrotas na economia, mas está entregando o desmonte da proteção ambiental e da diplomacia, sufoca a mídia não subserviente, libera novos tipos de agrotóxicos, acabou com o programa dos médicos cubanos e faz o que pôde para liberar o uso de armas, o garimpo e a grilagem de terras. Ainda prepara um avanço sobre a autonomia das universidades e mudanças na lei de aborto, além da escolha de um ministro do Supremo cujo único critério será ser “terrivelmente evangélico”. Para milhões de brasileiros, Bolsonaro está entregando o que prometeu.
Mas o que move os eventuais adversários de Bolsonaro? Sem responder sinceramente é difícil começar a pensar uma campanha. Como na frase do gato de Cheshire, em Alice no País das Maravilhas: “se você não sabe para onde quer ir, não importa o caminho que você toma”.
A seguir alguns caminhos que a oposição parece querer trilhar:
- Mudar tudo – O lugar do antiestablishment está tomado por Bolsonaro. Não há hipótese de se repetir um 1989, quando os dois finalistas prometiam um Brasil pelo avesso.
- Acabar com o bolsonarismo – Assim como o fim do mandato de Donald Trump não fará a política americana retornar aos tempos de bipartidarismo civilizado, é ilusão supor que uma eventual derrota de Jair Bolsonaro em 2022 irá devolver para dentro da caixa de Pandora o radicalismo solto nesses 2 anos. O bolsonarismo –aqui definido como um renovado movimento de direita populista– é muito maior que a figura do presidente e irá seguir ameaçando a política tradicional por anos. A política da guerrilha digital, com crises que duram o tempo de um trending topics e são substituídas por novas ações, veio para ficar.
- Recolocar as coisas no lugar- Optar por chegar com cavalo branco para enfrentar os ímpetos golpistas do bolsonarismo é o caminho da frustração. A política brasileira nunca mais será a dos tempos de Tancredo, FHC e Lula. É possível derrotar o bolsonarismo nas urnas e delimitá-lo dentro dos espaços legais, mas é preciso reforçar em muitos as instituições capturadas por juízes, generais, almirantes, brigadeiros, promotores, delegados e guardas de ruas seduzidos pelo bolsonarismo. A sociedade terá de conviver com o radicalismo de direita por anos.
- Um lugar na história – A política brasileira está cheia de nomes que imaginavam estar predestinados à Presidência, como Carlos Lacerda, Ulysses Guimarães, Leonel Brizola e José Serra. Ambições pessoais não são características necessariamente ruins em um político, mas guardam um defeito. Em geral, o personalismo leva o candidato a formar sua equipe na base de quem fala mais alto “Grande ideia, chefe!”. Para além dos acólitos é difícil imaginar que algum candidato em 2022 junte tantos fanáticos quanto o próprio Bolsonaro. Até porque o eleitor não está realmente interessado na trajetória do candidato. Ele quer saber, primeiro, se o sujeito e capaz de melhorar sua vida. Na campanha municipal do Rio, por exemplo, o ex-prefeito Eduardo Paes começou explicando as acusações sobre suas gestões. Ninguém deu pelota. Aquilo só interessava ao próprio Paes. A campanha só fluiu quando ele passou a falar do que faria se voltasse à prefeitura.
- Volta ao Passado – Assim como Bolsonaro faz um passeio idílico pelo regime militar, parte considerável do PT vende a ideia de que havia uma terra sem males no Brasil pré-impeachment. As condições econômicas e as coalizações políticas são irreplicáveis. Esse discurso serve mais para reconstruir a história do PT e de Lula do que oferecer um caminho de futuro.
- O lugar de Ali Kamel – Se tivesse de escolher, parte razoável dos principais políticos brasileiros iria preferir decidir a pauta do Jornal Nacional do que ocupar o terceiro andar do Palácio do Planalto. É inacreditável como ainda hoje, com o Google, Youtube e o Facebook sendo as maiores fontes de informação dos brasileiros, a TV Globo magnetiza a opinião de tantas autoridades. “Ah, o Jornal Nacional não deu tal matéria…”, “Ah, o jeito que o apresentador William Bonner leu tal notícia…”. Tem muita gente que não quer o lugar de Bolsonaro, mas o do diretor geral de jornalismo da Globo, Ali Kamel.
Muitos caminhos levam a Brasília, mas todos começam com o candidato decidindo por que, afinal, ele quer ser presidente do Brasil?
(*) Thomas Traumann, 53 anos, é jornalista, consultor de comunicação e autor do livro “O Pior Emprego do Mundo”, sobre ministros da Fazenda e crises econômicas. Trabalhou nas redações da Folha de S. Paulo, Veja e Época, foi diretor das empresas de comunicação corporativa Llorente&Cuenca e FSB, porta-voz e ministro de Comunicação Social do governo Dilma Rousseff e pesquisador de políticas públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Dapp). Escreve semanalmente para o Poder360, sempre às terças-feiras.