O presidente que calculava

By | 20/12/2020 4:58 am

Só cálculo político explica a atitude “conciliatória” de Jair Bolsonaro sobre vacinação, quando pesquisa mostrou queda de sua aprovação

(Editorial do Estadão) 

 

O presidente Jair Bolsonaro não é muito bom em fazer contas – não sabe dizer exatamente, por exemplo, quanto dinheiro o amigão Fabrício Queiroz depositou na conta da primeira-dama –, mas é craque em cálculo político. E foi por puro cálculo que Bolsonaro mandou seu ajudante de ordens Eduardo Pazuello, o intendente que nominalmente é ministro da Saúde, garatujar um assim chamado “plano” de vacinação contra a covid-19, apresentado com fingida pompa na quarta-feira, dia 16, no Palácio do Planalto – evento em que a única coisa autêntica era o Zé Gotinha.

 

Na encenação em que pretendia desempenhar o papel de chefe de Estado ciente de suas responsabilidades, Bolsonaro nem parecia o inconsequente que passou os últimos dias a desestimular os brasileiros de tomar vacina.

 

“É um momento muito feliz para todos nós, brasileiros”, discursou Bolsonaro a propósito do lançamento do tal “plano”. Seria mesmo, se se tratasse de algo que se assemelhasse a um planejamento concreto, mas o que foi apresentado é um amontoado de contradições e lacunas, que mais confundem que esclarecem.

 

É óbvio que a intenção de Bolsonaro nunca foi a de preparar o País para uma campanha de vacinação que ele sabota com denodo há muito tempo, para enfrentar uma pandemia que ele minimizou desde sempre. É preciso uma dose cavalar de polianismo para crer que o presidente tenha se tornado “conciliador” e subitamente mudado de ideia a respeito do que, até horas antes, demonstrava plena convicção.

 

Só o puro cálculo político explica sua atitude: no dia do anúncio do plano de vacinação, saiu uma nova pesquisa de opinião sobre Bolsonaro, e o resultado não poderia ser pior para o presidente. Sua aprovação caiu de 40%, em setembro, para 35%, agora, obviamente como resultado direto de sua péssima condução da crise.

 

Além disso, mas não menos importante, o anúncio do plano de vacinação foi feito na véspera do pagamento da derradeira parcela do auxílio emergencial. Destinado a socorrer os cidadãos que ficaram sem renda em razão da pandemia, foi justamente esse auxílio que havia dado algum impulso à popularidade de Bolsonaro; sem ele, milhões de brasileiros afundarão na pobreza.

 

Está claro que Bolsonaro, incapaz de ter empatia com qualquer um que não seja de sua família, não se preocupa nem com a saúde nem com a renda de seus compatriotas, a não ser na exata medida de seus objetivos eleitorais. O plano de vacinação, evidentemente improvisado, serve somente para dar aos brasileiros desarvorados alguma esperança de “volta à normalidade” no momento em que já não poderão contar com a ajuda federal.

 

Serve também para que Bolsonaro tente anular os eventuais ganhos políticos de seu principal desafeto, o governador paulista, João Doria, que mostrou mais agilidade na corrida pela vacina. Não à toa, no lançamento do tal plano de vacinação, ao qual Doria não compareceu, o presidente fez questão de destacar essa ausência logo no início de seu discurso e de dizer que os demais governadores ali presentes indicavam a “união para buscar a solução de algo que nos aflige há meses”.

 

Nesse seu tour de force de dissimulação, Bolsonaro ensaiou até um mea-culpa sobre seus “exageros”, mas disse que os cometeu, vejam só, “no afã de buscar solução”. E então emendou dizendo que “nós todos, irmanados, estamos na iminência de apresentar uma alternativa concreta para nos livrarmos desse mal” – contra o qual, até o dia anterior, Bolsonaro receitava cloroquina, seu elixir milagroso.

 

Mas a apoteose desse espetáculo burlesco coube ao ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. “Eu não vejo nada de errado no que está acontecendo (na condução do governo durante a pandemia) e, se tivesse visto, já teria corrigido”, disse o personagem. Para completar, citando a capacidade do Brasil de organizar programas de imunização, questionou: “Para que essa ansiedade, essa angústia?”.

 

De fato, se os mais de 180 mil mortos, os milhões de doentes e a economia em frangalhos não são motivos suficientes para angustiar os brasileiros, a perspectiva de mais dois anos desse inacreditável governo certamente é.

 

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Category: Opinião

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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